Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Laura Tonke: 'Pessoas inseguras, cá na Europa, culpam os refugiados pelas incertezas'

Laura Tonke, estrela alemã de 'Amrum', de Fatih Akin | Foto: Rodrigo Fonseca

 

Responsável por alguns dos momentos mais comoventes do 78º Festival de Cannes para além da briga pela Palma de Ouro, a berlinense Laura Tonke perpetuou o ônus e o bônus que reside na palavra "maternidade" ao aproximá-la do fantasma nazista em "Amrum". A produção, já assegurada para o Brasil pela distribuidora Imovision, marca a volta do diretor alemão de ascendência turca Fatih Akin, ganhador do Urso de Ouro, há 21 anos, com "Contra a Parede" (2004).

Disposto a acolher o pedido de um amigo enfermo (o ator e realizador Hark Bohm), com quem estudou as regras básicas da realização, Akin aceitou a missão de reviver a II Guerra Mundial sob a ótica infantil de um garoto que cresceu sob a ideologia do III Reich, no início dos anos 1940, sem saber das atrocidades que o seu país cometeu sob o cabresto da SS. Jasper Billerbeck interpreta Nanning, um menino de 12 anos abalado pelas últimas semanas do conflito do Eixo contra os Aliados. Um segredo de família há de abalar a frágil paz do canteiro idílico onde vive com a mãe, papel de Laura. Nesta entrevista, a estrela de "Der Prank" (2025) e "Jupiter" (2023) nos alarma com a radiografia do que seus conterrâneos fazem politicamente.

Fatih Akin afirmou em entrevistas em Cannes que "Amrum" é um filme sobre o presente. Até que ponto você concorda com ele?

Laura Tonke: No filme, eu interpreto uma mulher cuja meta é criar seus filhos para eles se tornarem "bons nazistas". Em parte, ela fazia isso em busca de segurança, na crença que mantinha no regime. Isso me lembra o que passamos hoje, quando pessoas inseguras, cá na Europa, culpam os refugiados pelas incertezas que vivem. Quando a pandemia chegou, eu já notava o avanço de uma intolerância forte, mas ela piorou.

De que modo a revisão crítica do Holocausto e seus bastidores passa pelas gargantas alemãs?

É um tópico essencial para lidarmos com a sensação histórica de estarmos sempre a evitar o entendimento sobre o que fizemos. Não precisamos de desculpas.

Você se lembra do momento em que foi apresentada ao pretérito imperfeito da Alemanha em relação com o nazismo quando era criança?

Foi por meio do livro "Quando Hitler Roubou O Coelho Cor-De-Rosa", de Judith Kerr, que acabou virando filme, recentemente. Nunca aprendi o suficiente sobre o tema e tendo sempre ler muito sobre ele.

Seu histórico de interpretação sempre se faz impressionar por sua habilidade de usar o silêncio como ferramenta de um certo existencialismo. Como é o silêncio em "Amrum"?

Hille é uma mulher que perde a voz quando Hitler morre. Eis o seu silêncio. Naquela ilha, existe uma espécie de língua local, que só os amrumers falam. No entanto, nem esse falar se submete ao jugo nazista depois que o regime cai. O problema da personagem é que ela se porta como um cão a serviço dos ideais em que acreditou.

De que maneira Fatih Akin te oferece espaço de criação no processo de atuar?

Ele tem um instinto singular no set. Existe algo que o cerca que me aborrece. Fatih é sempre definido, no meu país, como um turco-alemão. A identidade turca é sempre usada não para destacar as raízes de sua família, mas para supor que ele não é germânico. Acontece que, sim, ele tem um pensamento germânico consigo e aplica isso ao que faz.

O que você tem de projeto em cinema daqui pra frente?

Tenho mais um painel sobre maternidade, baseado no livro "22 Bahnen", um romance de sucesso de Caroline Wahl. Eu faço a mãe alcoólatra da trama.