Ao perceber que o filme de abertura de sua 78ª edição (a fofura "Partir Un Jour") é um musical, Cannes, de cara, evocou Christophe Honoré. Com "Canções de Amor" (2007), o realizador francês nascido há 55 anos na região de Finistère virou um estandarte do gênero em que seus conterrâneos alcançaram glória depois de "Os Guarda-Chuvas ro Amor" (1964), de Jacques Demy (1931-1990).
Repetiu a marca em 2011, com "Bem Amadas". Há um tempão, a Croisette virou sua casa. Quase todos os longas-metragens que ele dirigiu passaram por ele, a se destacar o mais recente, "Marcello Mio", de 2024.
A citação a seu legado vem ainda por seu simbolismo histórico na lutra contra a homofobia e contra a intolerância a pessoas que vivem com HIV. Este ano, a passagem dele pela Côte d'Azur se dá na presidência de um júri ligado às pautas LGBTQIAPN , na escolha da Queer Palm de 2025. A seu lado está o diretor de Minas Gerais Marcelo Caetano, laurado mundo adentro com "Baby". Ainda na bancada deles estão a jornalista Timé Zoppé, a compositora Leonie Pernet e a curadora Faridah Gbadamosi.
"Já na casa dos 50 anos, eu me vejo ligado a uma geração que escapou de se infectar com o HIV, mas que viveu suas primeiras experiências sexuais à sombra da Aids, com medo da contaminação, vendo nossos ídolos queer morrerem doentes. A Aids sempre esteve com a gente, como um fantasma, mas também como um balizador do desejo. E cinema vem do desejo. Eu filmo para exercitar o que desejo", disse Honoré ao Correio da Manhã em entrevista na Espanha, no Festival de San Sebastián.
Há sempre um aroma fúnebre nos filmes desse festejado realizador, por mais lúdicos e leves que sejam, como o lúdico "Quarto 212" (2019) ou o doído "Conquistar, Amar e Viver Intensamente" (2018). Respeitado no universo da literatura, por romances como "Tout contre Léo" (1995), e elogiado nos palcos em seu trabalho como encenador, o diretor virou um quindim pra crítica europeia, arrebatando uma legião de fãs.
"O perímetro da memória é vasto e nele cabem muitos demônios e muitas ausências", diz o diretor, que há de analisar títulos das mais variadas mostras de Cannes na escolha da Queer Palm.
A presidente do júri central do festival de número 78, a atriz Juliette Binoche, foi dirigida por Honoré em "Inverno Em Paris" (2022) e contracenou com ele. É uma visita do cineasta à trágica história de sua adolescência, após a perda do pai e a luta para sair do armário numa França cheia de moralismos velados.
"É um filme sobre o jovem que eu fui sem ele, mas transporto isso para a história de outro menino, que assume seu querer em meio a descobertas de seu corpo. Tem muito de mim. Não por acaso, eu mesmo interpreto a figura paterna, que morre no início. Fui ao circuito exibidro com ele para buscar diálogo, fazer essa trama catártica ser vista", explica Honoré.
Um dos prêmios recentes de Cannes, o troféu L'Œil d'Or, encarado como uma Palma da não ficção, chega aos dez anos de vigência em 2025. Em seu segundo ano, 2016, ele veio para o Brasil, entregue a "Cinema Novo", de Eryk Rocha. Este ano, o cinema nacional tá de volta ao páreo com "Para Vigo Me Voy!", um réquiem de Karen Harley e Lírio Ferreira, para Cacá Diegues (1940-2025). O júri é encabeçado pela atriz e produtora Julie Gayet, que vai analisar cada filme em curso ao lado de Carmen Castillo, Juliette Favreul Renaud, Frédéric Maire et Marc Zinga. A entrega será no dia 23. No dia seguinte, 24 de maio, Binoche anuncia os vencedores do certame central.