Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Brasilidade à francesa

Wagner Moura protagoniza uma trama ambientada em Recife em 1977, durante o período em que o general Ernesto Geisel era o ditador de plantão | Foto: Divulgação Vitrine Filmes

Domingo é dia de Brasil na briga pela Palma de Ouro de Cannes, mas é uma francesa que adotou Recife como lar - Emilie Lesclaux - quem conduziu a produção do concorrente nacional de Cannes, "O Agente Secreto", encarado pela imprensa estrangeira como um dos lançamentos de maior expectativa da competição. A produtura já esteve em concurso na Croisette com dois outros marcos do país no planisfério cinéfilo: "Aquarius" (2016) e "Bacurau", que saiu do evento com o Prêmio do Júri, em 2019.

Voltou em 2023, na disputa do troféu L'Oeil d'Or (a Palma da não ficção), com o ensaio de tom documental "Retratos Fantasmas". Seu currículo é invejável e traduz sua parceria criativa com seu companheiro, Kleber Mendonça Filho, com quem tem dois filhos. Ela ainda fez barulho na Berlinale de 2024 com "Dormir De Olhos Abertos", da alemã Nele Wohlatz, e no Festival de Veneza de 2023 com "Sem Coração", da dupla Nara Normande e Tião, egressa de Pernambuco, a terra de Kleber e arena de sua obra.

"A coprodução, que é algo sempre complexo, principalmente envolvendo vários países, foi uma experiência muito feliz para o 'Agente Secreto', como foi para 'Bacurau' e 'Aquarius', diz Emilie, que começou a produzir filmes ajudando Kleber (em várias funções) em curtas dele e no longa "Crítico", documentário de 2008 hoje na MUBI.

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'Tudo foi contribuindo para novas camadas criativas num filme que continua extremamente brasileiro...pernambucano'

Kleber Mendonça Filho, Emilie Lesclaux e Wagner Moura no set de filmagens de 'O Agente Secreto': uma parceria de êxito | Foto: Brent Travers/Divulgação

"'O Agente Secreto' teve um financiamento inicial via Estados Unidos que não foi pra frente, e nos encontramos no final de 2022 tendo que reconstruir um orçamento do zero", conta Emilie Lesclaux.

Ambientado em meio à era do general Ernesto Geisel (1907-1996) no poder, em 1977, "O Agente Secreto" tem Wagner Moura como protagonista. O astro da série "Narcos" encarna Marcelo, um especialista em tecnologia que foge de um passado misterioso e volta ao Recife em busca de paz. Ele logo percebe que a cidade está longe de ser o refúgio que procura.

Ao lado de Wagner estão Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Hermila Guedes, Thomás Aquino, Alice Carvalho, Edilson Filho e o alemão Udo Kier.

O filme é uma coprodução Brasil (CinemaScópio Produções, de Emilie e de Kleber), França (MK Productions), Holanda (Lemming) e Alemanha (One Two Films) e terá distribuição em circuito brasileiro da Vitrine Filmes.

"Começamos o processo de procurar fundos no Brasil, com a nossa distribuidora, a Vitrine", diz Emilie. "Em Cannes, novamente, começou uma parceria com a MK Productions, e alguns meses depois, com a One Two Films (Alemanha) e a Lemming Film (Holanda). Nosso equipamento de câmera ARRI, com lentes Panavision dos anos 1970, veio da França, assim como a nossa diretora de fotografia, Evgenia Alexandrova, e realizamos boa parte da pós produção na Europa. Gravamos a trilha sonora num estúdio maravilhoso em Amsterdam (STMPD) e fizemos correção de cor na Rotor, nos Estúdios Babelsberg na Alemanha. Nós mixamos o filme em Paris, com o grande Cyril Holtz", detalha a produtora.

"Tudo foi contribuindo para novas camadas criativas num filme que continua extremamente brasileiro... pernambucano. Aliás, uma das coisas mais belas foi ver franceses assobiando um frevo e ver um alemão aperfeiçoando a cor de um ônibus elétrico dos anos 1970", recorda.

Quando lançou "Retratos Fantasmas", um estudo sobre a memória, dirigido por Kleber a partir de fotos - sobretudo de antigas salas de projeção, a maioria de rua, hoje fechadas ou substituídas por farmácias ou templos -, Emilie contou ao Correio como construiu sua brasilidade.

"Lembro de descobrir o Cinema do Parque e o Cinema São Luiz quando cheguei em 2002. Lembro de ficar maravilhada com a beleza desse patrimônio e entender também a importância dessas salas como espaços de formação e de valorização do cinema nacional, do cinema pernambucano", disse Emilie à época. "Ver 'Cidade de Deus' e 'Amarelo Manga' nessa época, no centro da cidade, foi uma experiência incomum. Também vivi como produtora a exibição dos nossos filmes nessas salas, e ver as filas de pessoas querendo assistir a 'Bacurau' darem a volta do quarteirão do Cine São Luiz foi algo emocionante".

Nesta segunda, na seção Cannes Classics, o festival acolhe "Para Vigo Me Voy!", um documentário sobre Cacá Diegues (1940-2025) dirigido por Karen Harley e Lírio Ferreira. A data bate com o aniversário do diretor de "Chuvas de Verão" (1978), que faria 85 anos na segunda.

Cannes encerra seus trabalhos no dia 24, com a entrega da sempre cobiçada Palma de Ouro e 'O Agente Secreto' renova as esperanças brasileiras pela premiação.