Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Arranque com filme ‘delicinha’, o musical francês ‘Partir Un Jour’, na abertura de Cannes

'Partir Un Jour', filme de Amélie Bonnin, abriu a maratona cinéfila do Festival de Cannes | Foto: Divulgação


Inaugurado em edições passadas por blockbusters charmosos (“O Grande Gatsby”), versões de livros cultuados (“Ensaio Sobre a Cegueira”, de Fernando Meirelles, em 2008) e animações da Disney (“Up - Altas Aventuras”), Cannes abriu seu festival de número 78, na noite de terça, com a prata da casa: uma produção francesa “pequenininha”, sem estrelas AA, sem tema polêmico e sem chamarizes evidentes. “Partir Un Jour” é o que chamaríamos de “delicinha”. É comédia, é romance, é musical, é um filme (muito) bem atuado e redondinho na edição.

Suas ambições estéticas se resumem, na aparência, a evocar a tradição dos filmes cantados europeus dos anos 1960 (sobretudo os de Jacques Demy, o mestre do filão), abrindo um debate sobre ânsias do amor na contemporaneidade. Tem uma atriz em estado de graça (Juliette Armanet) e uma diretora estreante em longas de ficção: Amélie Bonnin. Quando se listam os títulos de abre-alas desta década, com exceção do também musicado “Annette”, de Leos Carax, Amélie entregou à Croisette um bombom daqueles que a gente compra no ônibus com o troco da passagem. Não é nada que fique pra posteridade do paladar, mas cai bem.

Frente ao pavoroso “O Segundo Ato”, de Quentin Dupieux, exibido em 2024, ou “Coupez!”, de Michel Hazanavicius, projetado em 2022, a maratona cinéfila da Côte d’Azur começou belamente em 2025.
Exibido após uma homenagem a Robert De Niro, coroado com a Palma de Ouro Honorária pelas mãos de Leonardo DiCaprio, “Partir Un Jour” é uma mistura da série culinária “The Bear” com o Demy de “Guarda-Chuvas do Amor”, ganhador da Palma de Ouro de 1964 (só que um tantinho mais comedido com cores e o mel).

Um clima à la “MasterChef” se instaurou em Cannes em suas passagens gastronômicas. No início da trama, a mestre-cuca Cécile (papel de Juliette) está prestes a realizar seu sonho de abrir seu próprio restaurante gourmet. Sua vida afetiva com o namorado é rotineira, mas tem tesão. Em meio a um teste de gravidez, que dá um assustador positivo, ela recebe a notícia de que precisa retornar ao vilarejo de sua infância pois seu pai sofre um ataque cardíaco. Longe da agitação de Paris, ela reencontra seu amor de infância, com quem estudou. Suas lembranças ressurgem e suas certezas vacilam conforme a panela de pressão de sentimentos ferve à máxima tempertura.

Com experiência na direção de TV e de documentários, Bonnin consegue ser econômica não apenas na paleta com que o diretor de fotografia David Cailley colore quadro após quadro. Suas sequências de cantoria não têm coreografias sofisticadas, nem corais pela rua, nem efeitos visuais. São apenas quebras do realismo, que aliviam o azedume de sua crônica sobre escolhas e revisões de um outrora mal resolvido. Seu conflito é trabalhado com leveza e canções saborosas, em especial a letra que dá título à fita. A evocação ao clássico “Paroles Paroles”, de Dalida, é um mimo à parte.

Vai ter Festival de Cannes até o dia 24. Neste domingo a competição pela Palma de Ouro vai conferir “O Agente Secreto”, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, laureado lá em 2019 com “Bacurau” (codirigido por Juliano Dornelles).