Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A cada filme, Lucrecia Martel nos tira do 'Pântano'

'O Pântano' (La Ciénaga), de Lucrecia Martel, foi laureado na Berlinale de 2001 | Foto: Ad Vitam Distribucion/Divulgação

 

Ao inaugurar uma retrospectiva sobre a pluralidade autoral feminina por trás das câmeras, na sala da Voluntários da Pátria n° 88 e no Shopping da Gávea, o Grupo Estação trouxe a potência criativa mais festejada da Argentina para o coletivo de mulheres contemplados na grade da mostra chamada Elas Dirigem: Lucrecia Martel. Neste fim de semana, rola uma dupla projeção do longa que a consagrou: o drama "La Ciénaga - O Pântano" (2001). Rola sessão na sexta, às 18h15, no bom e velho Estação Botafogo, e no sábado, às 19h, no Estação Gávea.

A engenharia sonora das narrativas fílmicas sempre ganha tratamento de luxo das mãos da cineasta, em suas ficções e em projetos experimentais. É o que se nota em seu exercício cinematográfico mais recente, "Cornucopia", rodado a dois com a diretora Isold Uggadottir, a partir de um show da islandesa Björk. O filme anterior dela, "A Camareira", exibido na Mostra de São Paulo de 2022, foi um curta carregado de elementos fantásticos. Neste momento, a realizadora mais famosa da província de Salta - onde nasceu há 58 anos - prepara o que pode ser uma das atrações do 78° Festival de Cannes (13 a 24 de maio): um .doc, cujo nome, "Chocobar", faz jus a um líder indígena. Seu personagem foi vítima das disputas fundiárias em seu país e morreu sob o mando de senhores de terra. Como esse projeto teve um apoio de um edital do Festival de Locarno, na Suíça, pode também ser exibido lá, em agosto.

"Quando eu era mais moça, eu costumava falar em classes sociais e suas diferenças, mas percebi que, hoje, o conceito político mais adequado à divisão da sociedade latino-americana seria 'casta', dado ao processo de concentração de renda que vemos no processo capitalista e a separação que ela gera entre pessoas que não se encaixam em determinadas faixas de renda", disse Lucrecia ao Correio da Manhã quando lançou seu último longa de ficção, "Zama" (2017), produzido por Vânia Cattani (Bananeira Filmes) e pela El Deseo dos irmãos Almodóvar.

Presidente do júri de Veneza em 2019, quando "Coringa" ganhou o Leão de Ouro, Lucrecia é respeitada por suas reflexões feministas e pela mirada política contestadora que faz de seu continente. Esses elementos movimentam seu seminal curta "Terminal Norte", lançado pela Berlinale, na Alemanha, em 2022, e hoje em cartaz na plataforma MUBI. No www.mubi.com, encontra-se ainda "A Menina Santa", que foi indicado à Palma de Ouro de 2004 ao narrar os processos de amadurecimento de uma adolescente em meio ao clamor do desejo. Seu enredo é o mote para que a diretora examine a crise existencial da classe média argentina, o funcionamento da sociedade e a mecânica social sufocante de seu país, hoje assolado pela presidência de Javier Milei.

Seu prestígio como autora foi deflagrado com "O Pântano", que saiu laureado da Berlinale de 2001 com (o hoje extinto) troféu de investigação de linguagem chamado Alfred Bauer. Em seu roteiro, as vidas de duas famílias - uma de classe média urbana, outra de produtores rurais decadentes - estão entrelaçadas no estupor provincial de uma Salta caótica e imutável, onde nada acontece, mas tudo está prestes a explodir, qual a charneca que lhe serve de título. Duas grandes atrizes, Mercedes Morán e Graciela Borges, fazem parte de seu elenco.

Entre as produções imperdíveis que circundam "O Pântano" no menu da mostra "Elas Dirigem", o Estação escalou para esta tarde "Bicho de Sete Cabeças" (2000), de Laís Bodanzky, às 16h25, em Botafogo. Lá mesmo, neste domingo, rola uma maratona de peso. Tem "Eu Vi o Brilho da TV" (2024), de Jane Schoenbrun (11h); "A Mulher Melancia" (1996), de Cheryl Dunye (13h); "Sambizanga" (1972), de Sarah Maldoror (14h55); "Asas" (1966), de Larisa Shepitko (17h); o obrigatório "Os Catadores e Eu" (2000), de Agnès Varda (às 18h45); e a Palma de Ouro de Cannes de 1993, "O Piano, de Jane Campion, no fecho do dia, às 20h30. Terça-feira, na mesma sala, vai ser exibido o essencial "Ôrí" (1989), de Raquel Gerber, às 21h. No complexo da Gávea, no sábado e no domingo, rola "Jeanne Dielman" (1975), de Chantal Akerman, às 11h.