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Talento não se copia

Mickey 17 | Foto: Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Passado o frenesi do Oscar, Hollywood agora se concentra nos títulos que podem fechar o primeiro trimestre de 2025 no lucro, muito lucro, e enxerga como seu principal candidato ao posto de blockbuster da atual temporada uma ficção científica hilariante: "Mickey 17". Entre a fantasia e a gargalhada, sua trama marca o regresso de Bong Joon Ho, o realizador sul-coreano por trás do fenômeno "Parasita" (Palma de Ouro de 2019), à direção de longas.

A partir desta quinta, o público brasileiro vai embarcar com ele numa viagem mucho loca por um mundo gelado, Niflheim, que pode se tornar uma colônia de exploração para a Terra se uma horda de criaturas com aspecto de ácaro, porém com tamanho GG, colaborar. A fim de mapear a fria imensidão daquele ambiente, o governo envia para lá "descartáveis" (em inglês, expendables), degredados do processo capitalista, sem um pau pra dar no gato, que passam por um processo de copiagem (ou clonagem).

O indivíduo se alista, submete seu DNA a um tipo de impressora 3D de printar gente e é copiado à exaustão. Daí o "dezessete" ao lado do nome do personagem principal, Mickey Barnes, confiado por Bong ao inglês Robert Pattinson. Seu nome é um ímã de plateias desde "A Saga Crepúsculo" (2008-2012), só que com um diferencial: ele só atua em projetos de grife autoral que o desafiem.

"Bong tem uma forma única de extrair riso de ações físicas de seus personagens, como eu o vi fazer em 'Memórias de um Assassino', e tentei me sintonizar com isso", disse Pattinson em resposta ao Correio da Manhã na abarrotada coletiva de imprensa de "Mickey 17" na 75ª Berlinale, no dia 15 de fevereiro, quando a produção orçada em cerca de US$ 110 milhões (há fontes que falam em US$ 80 milhões) fez sua pré-estreia internacional de luxo.

Sua sessão de gala foi ovacionada e a sessão de imprensa também rasgou corações. Havia gente acampada na porta do hotel Hyatt, uma das sedes do Festival de Berlim, para ver a chegada de Pattinson e sacar uma foto de um ator que, há 13 anos, deu um basta na demanda mais burocrática das corporações hollywoodianas para travar parcerias com cineastas com fina autoralidade, a começar pelo canadense David Cronenberg, que o dirigiu em "Cosmópolis" (2012) e "Mapas Para As Estrelas" (2014). Dali pra frente, filmou com Claire Denis ("High Life"); Antonio Campos ("O Diabo De Cada Dia", hoje na Netflix); os irmãos Josh e Bennie Safdie ("Bom Comportamento"); Robert Eggers ("O Farol", produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, ganhadora do Prêmio da Crítica de Cannes); James Gray ("Z: A Cidade Perdida"); e Christopher Nolan ("Tenet"). Não bastasse isso tudo, ele ainda é o atual Bruce Wayne. Assumiu o manto do Cruzado de Gotham City em "The Batman" (2012), que faturou US$ 770 milhões e concorreu a três Oscars sob a batuta de Matt Reeves.

"O Robert nao para de me desafiar como ator", diz o dublador Wendel Bezerra, a voz oficial de Pattinson na versão brasileira de seus longas, inclusive "Mickey 17". "Ele traz uma faceta nova a cada filme. E incrível como ele realmente e capaz de vestir personagens completamente diferentes. Dessa vez, contracena consigo mesmo e ate o timbre de voz ele mudou. Foi um trabalho desafiador e prazeroso".

Wendel se refere aos encontros entre Mickey 17 e Mickey 18. Houve ainda um Quinze e um Dezesseis na trama filmada por Bong com base no romance "Mickey7", de Edward Ashton. O enredo que vem da literatura fala da confusão em que o falido Mickey Barnes (Pattinson) se mete ao aceitar viajar para Niflheim, consciente de seu "descarte" e sua troca por uma versão copiada de si, sem defeitos aparentes, que preserve a memória do organismo antecessor. Nesse processo de singrar o espaço e explorar um admirável planeta novo, ele vive uma tórrida paixão por uma colega, a rebelde Nasha (Naomi Ackie), figura essencial no levante armado contra o político populista Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua mulher, Yilfa (Toni Collette), signos de poder associados à depredação de novas fronteiras estelares.

"O assustador de 'contracenar' consigo mesmo é que você não tem a medida de ritmo, pois faz uma parte da cena sozinho, e, depois, faz a outra", disse Pattinson, ao justificar o perfil bem distinto entre os Mickey 17 e 18, numa linha humorística que lembra o cômico Buster Keaton, ícone da Era Muda. "Usei elementos dos animes japoneses ao interpretar".

Na Berlinale, "Mickey 17" passou fora de concurso, mas conquistou fãs e elogios, dando a seu diretor uma nova carga de excelência. Ganhador de quatro Oscars em 2020, semanas antes de a pandemia da covid-19 começar, "Parasita" fez de Bong Joon Ho (também se escreve Joon-ho ou Joon-Ho) um dos cineastas de maior culto da atualidade, aclamado ainda por "O Hospedeiro" (2006) e "Mother: A Busca Pela Verdade" (2019). A produção que oscarizou a ele e a Coreia do Sul - hoje disponível na grade da Amazon Prime - custou US$ 11,4 milhões e faturou US$ 258 milhões, estabelecendo-se como um arrasa-quarteirão. Antes dela, ele teve experiências de dirigir longas de língua inglesa em "Expresso do Amanhã" (2013) e "Okja", da Netflix (indicado à Palma de Ouro de 2017). Trabalhou com Tilda Swinton em ambos, tendo ainda estrelas do quilate de Chris Evans, Paul Dano e Jake Gyllenhaal em seus elencos. A parceria com Pattinson agora pode trazer ainda mais fama para sua filmografia.

Na expectativa de ser Batman outra vez, em combate com o vilão Silêncio, Pattinson será visto este ano ainda em "Die, My Love", de Lynne Ramsay, e "The Drama", de Kristoffer Borgli, em par com Zendaya. Trabalha de novo com Nolan, no projeto "A Odisseia", baseado em Homero.