De portas sempre abertas a grifes autorais sobre as quais jogou holofotes, a Berlinale recebe a dupla de CEP gaúcho Marcio Reolon e Filipe Matzembacher pela terceira vez em dez anos, à luz dos elogios colhidos por "Beira-Mar" (em 2015) e "Tinta Bruta" (2018), para um novo estudo sobre as convenções morais do Brasil.
Coberto de aplauso em sua passagem pela seção Panorama, "Ato Noturno" é um eletrizante diálogo deles com as cartilhas do chamado cinema de gênero nas raias do thriller erótico. "Somos cinéfilos, cada um com sua predileção, e o último filme que a gente passou para a equipe ver, ao falar das referências, foi 'Intinto Selvagem", do Paul Verhoeven", conta Matzembacher, citando (num tom tiete, de fã) um policial brasileiro de Miguel Faria Jr., "República dos Assassinos" (1979). "A personagem vivida pelo Anselmo Vasconcellos (Eloína) é a maior femme fatale do cinema brasileiro".
Carregado de tintas queer, "Ato Noturno" acompanha o cotidiano do ator Matias (Gabriel Faryas), que busca sua primeira grande chance ao estrelato em Porto Alegre, participando de um respeitado grupo de teatro. Quando a notícia de que uma grande série será rodada na cidade chega à trupe, a já saliente rivalidade entre o protagonista e seu colega de apartamento, Fabio (Henrique Barreira), entra em ebulição.
Apesar de ter talento, Matias enfrenta um obstáculo ainda mais desafiador se quiser conseguir o papel do galã: para ter uma chance de realizar seu sonho, o jovem terá que esconder parte de quem é e ceder às convenções de gênero. No entanto, ao se envolver com Rafael (Cirillo Luna), um político que disfarça suas pulsões, o aspirante a astro passa a encarar uma dinâmica opressora, ainda que estimulante.
"Dentro do nosso olhar sobre performances, temos personagens que interpretam dentro da realidade que vivem. É personagem dentro de personagem", diz Reolon, explicando a dinâmica de tomadas noturnas de "Ato Noturno", pontuadas de requinte visual. "A noite e uma instância que combina desejo e perigo".
"Ato Noturno" é um dos candidatos mais fortes ao troféu Teddy, a láurea LGBTQIAPN de Berlim.