Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Denise Weinberg: 'O cinema tá me chamando'

Atriz de 'O Último Azul', forte candidato ao Urso de Ouro do Festival de Berlim, Denise Weinberg revela que, mesmo sendo cria do teatro, está empolgada com o cinema. "O cinema tá me chamando", disse ao Correio na capital alemã | Foto: Rodrigo Fonseca

 

Apesar do apelo de rivais de cacife hollywoodiano como Jessica Chastain e Rose Byrne, a atriz carioca Denise Weinberg mantém de domingo até hoje um favoritismo pleno na briga pelo prêmio de Melhor Interpretação na 75ª edição da Berlinale pelo colossal desempenho em "O Último Azul", de Gabriel Mascaro. Ela já havia alcançado os aplausos do evento antes, em seu trabalho no drama "Greta" (2019), de Armando Praça, ao lado de Marco Nanini.

Teve holofotes em Cannes também, quando trabalhou em "Linha de Passe" (2008), de Daniela Thomas e Walter Salles. Só que a consagração atual, cercada de um clima de "já ganhou" é maior... põe maior nisso. Críticos das mais variadas pátrias se renderam à sua forma de celebrar a vontade de viver na trama dirigida pelo realizador de "Boi Neon" e "Divino Amor". Mascaro é o nome mais cotado para o troféu principal desta maratona germânica, da mesma forma como sua estrela é a mais elogiada de todo o certame.

No enredo de "O Último Azul", o governo brasileiro passa a transferir idosos para uma colônia habitacional com a desculpa de oferecer a eles a chance de "desfrutarem" seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, uma mulher de 77 anos (vivida por Denise com esplendor), embarca em uma jornada para realizar seu último desejo: ter dignidade... e com ela ser livre. Para isso, vai se enfiar numa jornada fluvial com direito a um barqueiro de coração partido (Rodrigo Santoro) e uma vendedora de Bíblias digitais (Miriam Socorrás).

Aclamada pelo teatro, com uma longa história no Grupo Tapa, Denise papeou com o Correio da Manhã na Berlinale, mapeando o estado de coisas na cena artística nacional.

A Berlinale te consagra hoje por "O Último Azul", por todos os seus méritos, e sem saber que você foi aos palcos encenar um dos textos mais poderosos da dramaturgia alemã moderna: "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant". O que aquele texto de Rainer Werner Fassbinder, que também foi pilar para o Novo Cinema da Alemenha, trouxe de mais precioso para você?

Denise Weinberg: Sou alucinada por Fassbinder. Eu tinha visto aquele texto ser encenado antes com a Fernanda Montenegro, em uma montagem marcante. Aí, eu fui convidada para fazê-lo. Na minha carreira, as coisas vêm na minha mão. Eu vou fazendo o que gosto e aprendo ao longo dos processos. No caso de "O Último Azul" também foi assim: o Gabriel me catou. Eu tinha feito "Greta" no Ceará e ele viu. Por vários caminhos, chegou a mim.

O cinema tem sido cada vez mais presente nas suas escolhas. Como vem sendo esse processo?

O teatro sempre foi a minha casa, mas o cinema me abriu outra possibilidade de fazer o que mais gosto, que é o artesanato da criação, o ensaio, a pesquisa. Quando um diretor vira pra mim e diz "Faz aí", eu fico louca. Não é "Faz aí", é busca. O Gabriel, por exemplo, é o contrário do "faz aí". Ele gosta do trabalho do ator. Acabou que eu fiquei um ano fazendo cinema, com quatro filmes pela frente. O cinema tá me chamando, já o teatro anda numa fase difícil. Você ensaia uma peça por três meses para fazer 14 apresentações e parar. Isso não dá tempo de se aprofundar as coisas. Teatro não é fugaz.

A que Amazônia o filme do Gabriel Mascaro levou você?

A Amazônia é forte. Eu já havia filmado lá. Fiz um longa com Charlton Heston sobre (o nazista) Mengele ("Meu Pai", do diretor Egidio Eronico, lançado em 2003), mas eu fiquei em hotel. Em "O Último Azul", eu fui andar pelos rios. É muito impressionante ver a natureza gritando lindamente com a gente. É uma pretensão a gente se achar grande perto daquilo tudo.

Tereza é uma figura que exulta desejo pela vida e não se rende ao etarismo na distopia de "O Último Azul". O que esse perfil reativo dela simboliza na discussão que o filme abre sobre envelhecer?

Ela tem tesão. Não é passiva, nem pertence à mandada. Não é por estar velha que precisa parar. Estar velho não é um indício de que tudo em nossa vida acabou. Basta ver a nossa profissão: a Fernanda Montenegro tá aí, com 95, e segue atuando. No ofício do ator, o etarismo bate, pois existe o preconceito social, mas os papéis ainda aparecem, em especial agora que a população está mais velha em nosso país.

Você está feliz com o Brasil?

Não, porque enquanto não se investir na educação, nada anda, e ninguém parece estar preocupado com ela. Depois dos quatro anos de trevas que nós vivemos, o Brasil parece estar mais agressivo. O feminicídio aumentou e as pessoas estão mais violentas. O Brasil não é assim. Uma sociedade sem cultura, como dizia Aristóteles, acaba sendo moldada pelo obscurantismo.