Numa alquimia de inquietudes, a produtora Isabel Madueño Medina e a cineasta Tatiana Fuentes Sadowski apelam para o substantivo "constância" para traduzir o requisito de quem sonha viver profissionalmente de cinema no Peru. Só com empenhos constantes, na busca por apoios e fontes de materiais iconográficos ou audiovisuais planeta afora, elas foram capazes de tirar "La Memoria De Las Mariposas" do papel. A Berlinale, em sua 75ª edição, reconheceu os esforços da dupla, abraçando esse experimento documental como um dos achados de seu Fórum.
É lá que nascem os filmes "inclassificáveis" na fricção sinestésica de texturas e sons. A expressão estética delas carrega uma bandeira política - na forma de processar registros em Super-8 - ao abordar a violência histórica contra os povos indígenas peruanos. Pode-se dizer que o continente latino todo está refletido na forma como Tatiana processa símbolos ligados à extração da borracha na América do Sul.
"Os fantasmas que povoam o filme não são marcas da borracha, mas, sim, das elites que nos exploraram", explica Tatiana ao Correio da Manhã. "Algumas instituições nos cederam seus acervos de memória para a construção da narrativa, que queremos levar para as populações que integram o circuito de exploração que mostramos".
Diretora de "La Huella" (2012), Tatiana teve sua atenção capturada por uma foto antiga de dois homens indígenas levados a Londres para serem "civilizados" por volta da virada do século XX. Seus nomes eram conhecidos - Omarino e Aredomi - mas pouco ou quase nada se sabia sobre eles. Por isso, Tatiana sentiu-se compelida a se aprofundar no passado da dupla - e de sua pátria. O que faz em "La Memoria De Las Mariposas" é desconstruir a história oficial do comércio extrativista e colonial borracheiro no final do século XIX e início do século XX.
"Uma fotografia é um arquivo e todo arquivo é uma porta aberta para uma investigação, que não precisa de objetividade, mas se comporta como evidência", diz Tatiana, que rodou o longa com um orçamento estimado em US$180 mil. "Todo arquivo é um espectro".
Ela compartilha seus achados sobre Omarino e Aredomi com os descendentes deles e filma suas intervenções. O êxito de "La Memoria De Las Mariposas" na Berlinale demarca a força documental peruana no planisfério cinéfilo. "Ainda sofremos na demora dos fundos e lidamos com um estado que quer censurar temas, para evitar assuntos espinhosos", explica Isabel Madueño Medina, que cuidou da produção. "Viemos aqui com um filme que gera debate.
A 75ª Berlinale segue até o dia 23.