Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'Faça o meu dia, Berlinale'

'Peserguidor Implacável', de Don Siegel, consagrou a figura justiceira de Dirty Harry vivido por Clint Eastwood. O clássico chega à berlinale em versão restaurada graças à tecnologia digital 8k | Foto: Warner Bros/Divulgação

 

É papel da Berlinale manter os olhos atentos no futuro do audiovisual, inclusive o do cinema brasileiro - que entra em campo, na briga pelo Urso de Ouro, no domingo, com "Último Azul", de Gabriel Mascaro -, numa cartografia estética impulsionada pela revisão crítica do passado, num reencontro com marcos como "Perseguidor Implacável" (1971). No momento em que os Estados Unidos passam por reforças de suas noções de empatia sob a nova administração de Donald Trump, a escalação do longa-metragem que apresentou o policial justiceiro Dirty Harry à cultura pop é um convite a um debate sobre as representações institucionais da violência. Ao retornar aos écrans, esse thriller convida a cinefilia a refletir sobre a "manutenção" da ordem pelas vias da força defendida pela Lei nos EUA. Orçada em US$ 4 milhões, a produção pilotada por Don(ald) Siegel (1912 - 1991) regressa aos cinemas pelas telas da Alemanha no próximo dia 20, numa versão recauchutada a partir da película original. Clint Eastwood empunhará sua Magnum.44 numa cópia restaurada a partir de uma digitalização em tecnologia 8K do negativo da câmera de 35 mm dos anos 1970.

É desse campeão de bilheteria que surgiu toda a base do "filme de ação" vigente até hoje, que consagrou de Charles Bronson (em "Desejo de Matar") a Vin Diesel ("Velozes & Furiosos"), passando por Stallone, Schwarzenegger e Van Damme. Sua estreia ocorreu no momento em que Eastwood resolveu se arriscar a dirigir, com "Perversa Paixão" (1971). Dali, influenciado por Siegel, ele criou uma filmografia invejável contemplada com dois Oscars de Melhor Direção, que levou por "Os Imperdoáveis" (1992) e "Menina de Ouro" (2004).

Coroado como blockbuster ao arrecadar US$ 36 milhões, "Perseguidor Implacável" assegurou a Eastwood seu personagem mais famoso: Harold Francis Callahan, apelidado de "Sujo" (Dirty, em inglês) pela truculência de suas abordagens. A frase "Faça o meu dia!" ("Make my day!") virou seu bordão. Sua passagem pela maratona cinéfila germânica (iniciada na quinta, com a projeção de "Das Licht", de Tom Tykwer) faz parte da seção Berlinale Classics. A retrospectiva de cults de outrora reúne ainda: "Anjos do Inferno", de Howard Hughes, Edmund Goulding e James Whale, e "Agonia de Amor" (1947), de Alfred Hitchcock (EUA); "A Deusa" (1934), de Wu Yonggang (China); "Seisaku's Wife" (1965), de Yasuzô Masumura (Japão); "Solo Sunny" (1980), de Konrad Wolf e Wolfgang Kohlhaase (Alemanha); "Vestida de Azul" (1983), de Antonio Giménez-Rico (Espanha); e "Smile at Last" (1985), de Leida Laius e Arvo Iho (Estônia).

Na trama de "Perseguidor Implacável", um franco-atirador que dispara dos telhados está mantendo São Francisco como refém, exigindo 100.000 dólares ou continuará matando que estiver em sua mira. O prefeito quer pagar o resgate, mas o inspetor Callahan se recusa, pois prefere ir atrás do assassino com sua pistola em punho. Há um tiroteio e o vilão dobra o valor de sua exigência. Harry é escolhido para entregar o resgate, transformando a situação em um duelo pessoal. No site oficial da Berlinale (www.berlinale.de), encontra uma meticulosa análise do longa: "Dirty Harry tem uma semelhança mais do que passageira com o personagem pistoleiro de Eastwood em seus westerns spaghetti, transposto para os desfiladeiros de uma metrópole americana. Armado com uma Smith & Wesson carregada, um comportamento estoico e um rosto de pedra, ele se tornou o modelo para os policiais cínicos da década de 1970. O thriller de Don Siegel, inspirado no caso do assassino do Zodíaco da vida real, gerou quatro sequências de Dirty Harry entre seu lançamento e 1988".

Em dezembro, o longa mais recente de Eastwood (como realizador), "Jurado n°2" ("Juror #2") estreou no Brasil na plataforma digital MAX (a antiga HBO), sem ter vaga em salas de projeção. Estudo sobre ética, consciência pesada e arrependimento, o filme é um misto de thriller e drama de tribunal. No enredo, o jornalista Justin Kemp (Nicholas Hout), devotado na luta contra o alcoolismo, é escalado como jurado em um julgamento de feminicídio, mas enfrenta um dilema ao supor que ele pode ter sido o assassino, num acidente de trânsito que cometeu sob o efeito da bebida.

A Berlinale 2025 segue até o dia 23. Um dia antes (22 de fevereiro) o júri presidido pelo diretor estadunidense Todd Haynes (de "Segredos de um Escândalo") anuncia os ganhadores dos troféus oficiais. Este ano, a cineasta mineira Petra Costa (de "Democracia em Vertigem") faz parte do júri de documentários do festival.