Tem mais dois dias de "Ainda Estou Aqui" na Holanda, nesta quinta e sexta (6 e 7), na grade da 54ª edição do Festival de Roterdã que segue até domingo, abrindo o circuito das mostras competitivas da Europa, com direito a candidatos ao Oscar em suas mostras paralelas, como a versão de Walter Salles para a luta da ativista Eunice Paiva (1929-2018) contra a ditadura.
Violências de estado se fazem notar no mais prestigiado evento audiovisual dos Países Baixos também por latitudes iranianas, com a exibição - nesta quinta - de "A Semente do Fruto Sagrado" ("The Seed Of The Sacred Fig"). Tá aí o maior rival de Waltinho na corrida pela estatueta hollywoodiana. Embora se ambiente no Irã e seja falado em persa, com atores e equipe de Teerã, a produção disputa o prêmio de Melhor Filme Internacional da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood representando a Alemanha. O motivo? Condenado pelas autoridades de sua pátria, que o consideram um inimigo do povo, seu realizador, Mohammad Rasoulof, encontrou refúgio em terras germânicas. Lá ele se resguarda das violências de sua nação.
"Vive-se uma rotina permanente de controle pelo medo no Irã", disse o cineasta Mohammad Rasoulof, em entrevista organizada pela Golden Globe Foundation, que incluiu "A Semente do Fruto Sagrado" entre seus concorrentes à láurea de Melhor Filme de Língua Não Inglesa.
Em cartaz no Brasil, esse misto de drama e thriller de Rasoulof já soma 29 prêmios desde sua primeira projeção pública, no Festival de Cannes, em maio, e faturou cerca de US$ 5 milhões (cifras baixas) em sua carreira comercial. Esse estudo sobre a metástase do fundamentalismo saiu da Croisette com o Prêmio Especial do Júri, o Prêmio do Júri Ecumênico e o Prêmio da Crítica. Passa em Roterdã numa seção não competitiva, mas vai somar por lá um novo séquito de fãs para as destrezas narrativas de Rasoulof. Em seu enredo, um juiz entra em paranoia ao se sentir perseguido e começa a se voltar de forma violenta contra suas filhas e sua mulher.
"Sempre que o patriarcado perde, a brutalidade governamental do Irã cresce", disse Rasoulof, que ganhou o Urso de Ouro da Berlinale com "Não Há Mal Algum", em 2020. "Filmei sob a influência de 'Sob o Domínio do Medo' e de 'O Iluminado', que falam de paranoia e flagram o pânico que se passa à nossa volta".
Aos 52 anos, o realizador, egresso de Xiraz, precisou fugir de sua casa, e partir para o Velho Mundo, para conseguir expressar sua voz autoral pelo planisfério cinéfilo. Seu passaporte foi confiscado pelas autoridades do Irã, que o considera uma ameaça à integridade nacional. "Quando fomos para Cannes, todos os meus colegas do filme foram interpelados pela Lei e o meu ator principal, Missagh Zareh, teve que sair do Irã", explicou o diretor, que por já ter sido trancafiado antes conhecia meios não tão legais de escapar, por rotas alternativas que o levaram à Europa. "No meu país, a repressão é um mecanismo de manutenção da ordem".
Nesta quinta, Roterdã confere a produção espanhola que ganhou a Concha de Ouro de 2024 no Festival de San Sebastián: o ensaio documental "Tardes de Soledad", do catalão Albert Serra. O longa assume como seu objeto de estudo dos mais indigestos para os novos tempos: a tradição da tourada. Ao seguir o dia a dia de um toureiro peruano visto como celebridade em seu ofício, Andrés Roca Rey, o realizador de cults como "A Morte de Luís XIV" (2016) combate o machismo e também a naturalização da violência contra os animais inerentes àquela tradição ibérica. Além de "Ainda Estou Aqui", o Brasil emplacou outros títulos em Roterdã em múltiplas frentes. Em uma de suas mostras, a Harbour, entrou o longa mineiro "Suçuarana", de Clarissa Campolina e Sérgio Borges. Há DNA nacional ainda em "¡Caigan las rosas blancas!", de Albertina Carri, uma coprodução com a Argentina e a Espanha, escalada para a Big Screen Competition, e cercada de picardia queer. Com CEP em São Paulo, "Levante", de Lillah Halla, já lançado em circuito, leva um debate sobre fundamentalismo e luta feminista para a mostra Education. O Brasil emplacou ainda quatro curtas nas imediações dos Países Baixos: "Quem Se Move", de Stephanie Ricci; "Tragédia", de Bernardo Zanotta; "Bisagras", de Luis Arnías; e "Fale a ela o que me aconteceu", de Pethrus Tibúrcio.
Agendado para terminar em 9 de fevereiro, após a entrega do troféu Tigre e a exibição de "This City Is a Battlefield", da indonésia Mouly Surya, Roterdã vai enveredar pela adrenalina neste sábado com o thriller de ação "King Ivory", de John Swab. O diretor de "Ida Red" (2021) põe James Badge Dale armado até os dentes a desafiar os cartéis da droga em Tulsa, Oklahoma.