Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Jornalismo como arte… e tensão

'Setembro 5' revive a operação jornalística de repórteres envolvidos na transmissão dos Jogos Olímpicos de Munique | Foto: Paramount/Divulgação

No páreo pelo Oscar de Melhor Roteiro Original, numa indicação dividida com seus coautores Moritz Binder e Alex David, o cineasta suíço Tim Fehlbaum encara os (muitos) frutos colhidos por "Setembro 5" - que pode abocanhar a estatueta dourada de Hollywood - como um tributo à arte do jornalismo. O ator Sean Penn, que é um fã das dinâmicas da reportagem e, vez por outra, arrisca-se a assinar artigos em jornais dos EUA, foi seu produtor no thriller (já em cartaz no Brasil) sobre as Olimpíadas de Munique.

Limite a preposição "sobre" na frase acima às horas que a equipe da ABC Sports dedicou à triagem e à cobertura dos atentados terroristas do 5 de setembro daquele ano. Onze atletas e um policial foram mortos no episódio que transformou aquela edição dos Jogos Olímpicos numa tragédia.

"A sensação de claustrofobia que dá tom à narrativa é um reflexo da sala de controle de edição de imagens de onde os jornalistas precisam decidir o ângulo a ser aplicado. Escolhi narrar todo o filme do ponto de vista daquela sala, com a notícia correndo ao lado de fora", disse Fehlbaum ao Correio da Manhã, em papo via Zoom organizada pela distribuidora Paramount, em meio à inclusão do longa na disputa pelo Globo de Ouro de Melhor Filme.

Numa abordagem tensa, quase 100% centrada no ambiente chamado switcher (sala onde se editam as cenas que vão ar na TV), "September 5" (título original) conversa diretamente com os fatos narrados por Steven Spielberg há 20 anos, no sucesso de público "Munique" (2005).

O diretor de "A Lista de Schindler" (1993) reviveu o ataque à delegação de atletas de Israel - perpetrado pelo grupo palestino Setembro Negro - a partir de uma caçada aos criminosos pelo planeta adentro. Fehlbaum toma outro foco. Ele se concentra nas decisões dos repórteres esportivos da emissora ABC que cobriam competições (até então) sem lances emocionantes. Roone Arledge (papel do ator Peter Sarsgaard) era o executivo na linha de frente e coube a ele decidir que rumos tomar diante do ocorrido: seguir a transmitir causos sobre as disputas ou concentrar a cobertura do crime que se desenhava?

"Quis fazer um uma homenagem ao mundo analógico neste momento em que a cultura se rende à tecnologia digital, recriando o espaço das pautas como ele era na década de 1970, sem a aparelhagem que temos hoje", diz Fehlbaum, um realizador conhecido por ficções científicas como "Refúgio" (2021) e "Um Inferno" (2011).

Além de Arledge, dois outros personagens são fundamentais para o entendimento do conflito em cena: o produtor de reportagens Geoffrey Mason, vivido por John Magaro, e a repórter germânica Marianne Gebhardt, um poço de retidão profissional encarnado com brio por Leonie Benesch. "Meu empenho é entender aquele ambiente profissional num período de tensão", diz o diretor.

Num balé aeróbico de closes e planos gerais, a fotografia de Markus Förderer tonifica o clima convulsivo da montagem de Hansjorg Weissbrich com uma seleção cálida de cores, o que dá a "Setembro 5" um ritmo de panela de pressão em fervura. Os nervos de todos os que estão em cena comprimem-se pela responsabilidade de manter uma transmissão crítica, atenta aos rumos das negociações com os terroristas, e com medo de que os inocentes morram. A montagem joga inteligentemente com elementos documentais ao incorporar imagens de arquivo do programa "Wide World of Sports" em sua estrutura de linguagem. Nesse trânsito eletrizante pelo documentário, Fehlbaum oxigena a linhagem de incursões cinematográficas ao universo de quem conjuga o verbo "noticiar" numa desinência humanista.

"As grandes questões que meu filme evoca conversam com 'Todos Os Homens Do Presidente' e 'Rede de Intrigas', expressões cinematográficas sobre o papel ético do jornalismo", analisa Fehlbaum. "A diferença é que esses cults abordavam as consequências dos casos sobre os quais se debruçavam. Meu filme fala de um momento e da resposta de jornalistas a ele".