Expressão de desejo, cruising é a gíria (comumente encarada como jargão LGBTQIAPN ) que define a experiência de busca por parceiro sexual em locais públicos. A partir desse conceito, que pode até misturar potência e carência, mas simboliza sobretudo prazer e transgressão, o diretor mineiro Ricardo Alves Jr. gerou um poema audiovisual, entre o documentário e a fantasia, chamado "Parque de Diversões", hoje em cartaz no Rio.
Realizador de "Elon Não Acredita na Morte" (2016) e do premiadíssimo "Tudo o que Você Podia Ser" (2023), ele exibiu seu novo exercício autoral no FIDMarseille, na França, expandindo as fronteiras de seu debate sobre o querer.
Distribuído pela Cajuína Audiovisual, "Parque de Diversões" se apoia numa narrativa sensorial e performática, construída em um parque urbano de Belo Horizonte. Na trama, escrita por Germano Melo, um espaço com vegetação tropical e brinquedos infantis vira um território de excitação e descoberta, seguindo figuras anônimas que, perambulando pelas ruas das Gerais, encontram um terreno para expressar (e explorar) suas pulsões. Alves Jr. fala de seu processo de filmagem no papo a seguir.
Depois do celebrativo "Tudo o que Você Podia Ser", você volta às telas com "Parque de Diversões", falando de desejos e afirmações com uma atenção refinada às formas solitárias de vivência. Qual é a estética (performática) que você encontra na solidão?
Ricardo Alves Jr.: Inicialmente, podemos pensar que a experiência do cruising é individual e anônima. Portanto, a solidão se manifesta na chegada e na saída dessa experiência, pois o ato em si é uma vivência em relação ao outro. São essas possibilidades de encontro que o filme explora em sua performatividade. Em cada cena, buscamos uma forma possível desses encontros, enfatizando uma multiplicidade de expressões individuais que se tornam coletivas na experiência do cruising. O espectador assume o papel de voyeur nesse jogo, acompanhando solitariamente um grupo em busca constante de conexão, de encontros reais e fugazes.
Que luz você e Ciro Thielmann, seu diretor de fotografia, procuram naquele espaço?
A fotografia é um jogo de luz e sombras, evidenciando o que se vê e o que não se vê, o que está dentro e fora da cena. Buscamos uma estética que elevasse o parque ao território da fantasia, por isso escolhemos cores que transitam entre a ludicidade e o onírico. A câmera representa o olhar do espectador. Todo o filme foi realizado em steady cam, criando uma proximidade do olhar em constante movimento, construindo uma coreografia entre os corpos e a câmera.
"Parque de Diversões" se abre para outras palavras como alteridade, humor, provocação e leveza, se comparado a suas produções anteriores. Que descobertas ele te proporciona sobre as questões de identidade e resistência associadas à comunidade queer?
"Parque de Diversões" é uma das muitas possibilidades de representações queer. Se "Tudo O Que Você Podia Ser", meu filme anterior, fala sobre a família que se escolhe, aqui, "Parque de Diversões" trata da pulsão do desejo. É um filme de sexo, onde esse desejo se manifesta em um espaço que é, ao mesmo tempo, território de resistência e imaginação. A estética queer está presente nos corpos em sua performatividade, mas também na subversão de normas, no hibridismo e na experimentação, buscando a invenção de uma linguagem fílmica própria. "Parque de Diversões" é um filme de sexo que lança o espectador em uma experiência vertiginosa para dentro de si mesmo, remexendo em tabus e desejos.
Que novo projeto entra em gestação após essa estreia?
Meu próximo filme será "A Professora de Francês", com roteiro de Germano Melo e produção de Thiago Macedo Correia. A filmagem está prevista para julho e será uma coprodução com França e Portugal. O filme conta a história de Graça, uma professora de francês que retorna à sua cidade natal para cuidar do pai doente e acaba se vendo enredada por uma seita que deseja dominar seu corpo e sua mente. Será um drama que flertará com o terror.