Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Trem (bão) de Minas

'Girassol Vermelho (acima) e 'Princesa Macula e o Canto Triste', de Mayara Mascarenhas são duas das produções mineiras da Mostra deste ano | Foto: Divulgação

Responsável pela abertura do circuito brasileiro de festivais de cinema, ocorrendo sempre no mês de janeiro, a Mostra de Tiradentes, hoje em curso nas Gerais, em sua 28ª edição, foi um dos vetores (de excelência) essenciais para consolidação do novíssimo cinema mineiro, que gerou cults como "Marte Um", "Temporada" e "O Dia Que Te Conheci". A produção audiovisual daquele estado - hoje uma das mais fortes e plurais do Brasil, indo muito além de sua capital, Belo Horizonte - revelou este ano produções como "Princesa Macula e o Canto Triste", de Mayara Mascarenhas; "Dance Aqui", de Cleo Magalhães; "Você Lembra", de Victória Morais, e "Tita: 100 Anos De Luta E Fé", de Danilo Candombe.

Antenado com a prata da casa, o evento projeta nesta quarta, em sua seção Olhos Livres, uma produção com um pé em MG e outro SP: "Deuses da Peste", de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado. Em sua trama, ambientada num antigo casarão em ruínas, um velho ator shakespeariano exilado dos palcos vive com seus fantasmas. Em seu leito, cercado de cortinas vermelhas retiradas de um teatro abandonado, ele sonha com fogo se alastrando por todo o país.

"A Mostra de Cinema de Tiradentes, ao longo dos seus 28 anos de existência, desempenhou um papel transformador na cena audiovisual mineira tanto no ponto de vista de colaborar com a construção de políticas públicas, quanto na formação de uma nova geração de cineastas, como também incentivou, testemunhou e sediou o lançamento de produções mineiras que ganharam as telas do mundo", explica Raquel Hallak, diretora da Universo Produção e coordenadora geral do festival, em entrevista ao Correio da Manhã. "A Mostra ajudou a fortalecer uma identidade cinematográfica em Minas, possibilitando que cineastas mineiros (muitos deles independentes) tivessem seus filmes exibidos e discutidos em um espaço relevante de projeção nacional e internacional. Isso também contribuiu para o aumento do reconhecimento de Minas Gerais como um polo de produção audiovisual, desafiando a centralização do cinema nas capitais do eixo Rio-São Paulo, bem como favoreceu os mineiros expandirem suas referências culturais e estéticas".

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Mostra revelou a cidade ao Brasil

Raquel Hallak apresenta uma das sessões da praça do festival mineiro, criado em 1998 | Foto: Leo Lara/Universo Produção

No fim dos anos 1990, a Mostra foi o evento precursor da descoberta da vocação turística da cidade de Tiradentes. "Foi o evento que projetou a cidade no Brasil e no exterior, atraiu investimento e transformou a cidade em uma das mais visitadas do Brasil", explica Raquel. "Em 1998, quando começa a primeira edição do evento, a cidade disponha de 450 leitos, hoje tem mais de 5 mil, mais de 250 estabelecimentos comerciais. Além de movimentar a economia da cidade, da região, de Minas e do Brasil, a Mostra tornou-se referência no circuito de festivais nacionais e na cidade impulsionou outras iniciativas".

Na abertura de seus trabalhos deste janeiro, Tiradentes prestou uma homenagem à atriz Bruna Linzmeyer e projetou um longa dirigido por seu maior videoartista (aliás, um papa da videoarte no mundo todo), Eder Santos: "Girassol Vermelho". Chico Diaz estrela o filme, codirigido por Thiago Villas Boas. A trama é inspirada pela prosa de Murilo Rubião (1916-1991), egresso de Carmo de Minas. A trama narra a jornada de Romeu, um homem que deixa seu passado, numa busca pela liberdade.

Desde 2008, Tiradentes consagrou uma competição oficial chamada de Aurora. Seu certame de 2025 reúne "Margeado" (ES), de Diego Zon; "Um Minuto é uma Eternidade para Quem está Sofrendo" (SE), de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro; "Nem Deus é tão Justo quanto seus Jeans" (SP), de Sergio Silva; "Cartografia das Ondas" (RJ), de Heloisa Machado; "Resumo da Ópera" (CE), de Honório Félix e Breno de Lacerda; e "Kickflip" (SP), de Lucca Filippin, que será exibido nesta quarta, em concurso.

Em sessões paralelas, Tiradentes exibe, nesta quinta, em sua programação na praça, o filme ganhador do troféu Redentor de Melhor Documentário do Festival do Rio 2024: "3 Obás de Xangó", de Sergio Machado. A produção retrata a amizade entre três orixás das artes na Bahia: o compositor Dorival Caymmi (1914-2008), o artista plástico Carybé (1911-1997) e escritor Jorge Amado (1912-2001). A narrativa reafirma o solo baiano como território abençoado por ancestralidades africanas, resgatando vivências do realizador de "O Rio do Desejo" (2022) com sua meninice.

No sábado, antes de revelar os filmes ganhadores, Tiradentes encerra as projeções ao ar livre com a exibição de "Kasa Branca", que rendeu a Luciano Vidigal o troféu de Melhor Direção na Première Brasil. A vertente histórica do naturalismo, que vem lá da prosa literária, com "O Cortiço", é usada por Vidigal nesse longa ambientado na Chatuba, em Mesquita, sob uma perspectiva solidária (e não catastrofista), a fim de ilustrar a vida de três jovens amigos num cotidiano de reeducação afetiva. Dé (Big Jaum), Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco, hilário) nunca soltam a mão um do outro. O trio vive os perrengues de uma cidade que isolou bairros e municípios distantes do mar, padecendo de um serviço de saúde deficitário na rede hospitalar pública. Apesar das dificuldades, aquela galera não esmorece. No Rio, esse drama sobre alianças e delicadezas entra em cartaz na quinta.