Por: Affonso Nunes

Retratos do invisível por Rogério Reis

Mostra em cartaz na cidade marca o retorno de Rogério Reis à série 'Na Lona', mais de duas décadas após ter encerrado o projeto que virou referência na iconografia do carnaval de rua no Rio | Foto: Rogério Reis

Mais de duas décadas depois de concluir o projeto "Na Lona", o fotógrafo Rogério Reis retorna ao tema que marcou sua trajetória artística. A série volta à cena em "Deixa Falar", exposição com cerca de 70 obras, que entra em cartaz na Galeria da Gávea. Com curadoria de Evandro Salles, a mostra reúne imagens históricas do acervo e fotografias inéditas feitas em março deste ano, além de uma nova série, "Samba no Pé", nascida do olhar atento do artista para os rastros dos blocos carnavalescos na cidade.

Produzido entre 1986 e 2003, "Na Lona" documenta foliões anônimos em diversos pontos do Rio de Janeiro. Com uma câmera Hasselblad e uma grande lona estendida no chão, Rogério criou um estúdio improvisado nas ruas, deslocando o foco do espetáculo das escolas de samba para os carnavais espontâneos e populares. O trabalho ganhou livro, filme, exposições no Brasil e no exterior, e consolidou-se como um dos registros mais expressivos do carnaval carioca.

A retomada veio por acaso. Neste ano, o fotógrafo e embaixador francês Emmanuel Lenain pediu a Rogério ajuda para fazer um ensaio semelhante ao de "Na Lona". Rogério emprestou o equipamento, deu sugestões, mas resistia a voltar a fotografar. Até que, no segundo dia de folia, foi à Cinelândia encontrar o amigo e se surpreendeu com o que viu. "Muita coisa mudou. As fantasias hoje carregam mais afirmações sociais, menos crítica política. Isso me tocou", conta.

Com a velha lona de volta às ruas, nasceu um novo conjunto de retratos, 16 deles agora exibidos ao lado das imagens dos anos 1980 e 90, incluindo algumas ampliações originais.

A série "Samba no Pé" surge de outro gesto de observação. Rogério notou, após a passagem de um bloco, como foliões dançavam sobre a espuma deixada pelos garis. Fotografou os movimentos e os rastros no asfalto. "São imagens mais abstratas e simbólicas, em diálogo com os retratos", define.

O ensaio original nasceu no contexto da agência F4, coletivo criado nos anos 1980 por fotógrafos em busca de autonomia editorial. Ali, Rogério produziu os primeiros retratos da série. Também participou da criação de "Surfistas de Trem", com Ricardo Azoury. Ambos os projetos refletiam uma tentativa de olhar para personagens urbanos ignorados pelas grandes coberturas da mídia.

Rogério Reis iniciou-se na fotografia no final dos anos 1970, no MAM-RJ. Atuou como fotógrafo e editor no Jornal do Brasil, O Globo e Veja. Seus trabalhos integram acervos como os do MASP, Fogg Art Museum e Bibliothèque Nationale de France. Em junho, apresentará pessoalmente a incorporação de 15 imagens suas à coleção permanente da BnF, como parte do Ano do Brasil na França.

SERVIÇO

DEIXA FALAR

Galeria da Gávea (Rua Marquês de São Vicente, 432)

Até 18/7, de segunda a sexta (11h às 19h) | Entrada franca