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Marlene Almeida e a alquimia da terra

Nas obras de Marlene Almeida, os elementos orgânicos se transformam em pigmento, gerando uma paleta incomum | Foto: Divulgação

Pioneira no uso de pigmentos naturais desde os anos 1970, artista paraibana apresenta obras que transformam solo brasileiro em paisagens cromáticas

Quando Marlene Almeida começou a transformar fragmentos do solo em tinta para suas telas, nos anos 1970, a reação era de desinteresse. As pessoas buscavam materiais industriais, refinados, com nomes sofisticados. A artista plástica se via solitária em sua experimentação com pigmentos minerais extraídos diretamente da terra. Meio século depois, em plena emergência climática, a questão ambiental domina o debate político, e também as principais exposições de arte do país.

A exposição "Veios da Terra", em cartaz na galeria Flexa, no Leblon, reúne trabalhos que materializam essa trajetória pioneira. Com curadoria de Luisa Duarte e Daniela Avellar, a mostra apresenta pinturas em que o solo brasileiro é a única matéria-prima. Em "Aguda como Serra III", pigmentos minerais criam o que parece ser uma formação rochosa. Já "História da Terra" combina seis telas numa grande pintura que sugere uma superfície planetária, com pinceladas de tons terrosos lembrando erupções vulcânicas.A diversidade cromática surpreende quem imagina que trabalhar com terra significa limitar-se ao marrom. "Veredas V" combina verde, laranja e bege para formar uma imagem que se assemelha aos afluentes de um rio.

A artista explica que foi descobrindo aos poucos as possibilidades. "No meu ateliê, há obras com uma quantidade imensa de cores. Há muitas possibilidades de trabalhar com a terra", disse em entrevista recente à Folha de S. Paulo. A relação com o solo vem da infância, quando recolhia pedras e argila para guardar em casa. Iniciou a carreira com obras figurativas e ferramentas tradicionais, mas nos anos 1970 intensificou o trabalho com materiais naturais, prática que se consolidou na década seguinte. "Eu sou uma artista muito feliz por trabalhar com a terra, que entrou na minha vida devagarzinho e, aos poucos, foi ganhando espaço", afirma.

Para produzir os pigmentos, colhe fragmentos do solo de diferentes regiões do país. O material que sobra após concluir os trabalhos não é descartado. Em cinco décadas, formou em sua casa, em João Pessoa, o que chama de Museu das Terras Brasileiras, um inventário com amostras de diferentes solos. "Eu sou a guardiã dessa coleção, mas ela não é apenas minha. Por isso, deve ser vista por outros olhos", diz a artista.

Paralelamente à atuação artística, desenvolveu militância ambiental que originou a Associação Paraibana dos Amigos da Natureza, primeira entidade do tipo no estado. O ativismo, porém, não se confunde com a obra. No início da carreira, a questão política aparecia nas telas de forma quase literal, mas a artista mudou de postura. "Aos poucos, eu fui sentindo que eu não precisava fazer aquilo. Tenho observado que mostrar somente a terra pode emocionar mais as pessoas do que uma pintura panfletária."

SERVIÇO

VEIOS DA TERRA

Galeria Flexa (Rua Dias Ferreira, 214, Leblon)

Até 15/1, de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 12h às 17h |Entrada gratuita