Por: Affonso Nunes

Gilberto Salvador trabalha a acessibilidade como gesto poético e político

Os trabalhos mais recentes estarão reunidos por temas, conjuntos de linguagens. Entre eles, estarão obras que trazem imagens do Rio de Janeiro | Foto: Fotos/Henrique Luz/Divulgação

Artista paulistano retorna ao Rio após 17 anos com mostra no Paço Imperial

O Paço Imperial inaugura nesta terça-feira (9) "Geometria Visceral", panorama da produção recente de Gilberto Salvador que marca o retorno do artista paulistano aos espaços expositivos cariocas. Com curadoria de Denise Mattar, a mostra ocupa os três salões do segundo pavimento com cerca de 40 trabalhos entre pinturas, esculturas e vídeos, revelando ao público uma trajetória de mais de 60 anos ainda pouco conhecida na cidade.

A ausência prolongada tem razões concretas. Salvador, que convive desde os nove meses com sequelas de paralisia infantil, enfrenta severas limitações de locomoção que dificultaram sua circulação para além do circuito paulistano. E é justamente essa condição que alimenta uma das dimensões mais potentes da exposição: duas esculturas táteis, criadas especialmente para serem tocadas pelos visitantes. "Acho fundamental o público ter essa experiência", afirma o artista, que transforma a acessibilidade em gesto poético e político.

Para Denise Mattar, a mostra carrega caráter de descoberta. "A obra de Salvador, integrante essencial da cena artística paulista, é hoje pouco conhecida no Rio, em grande parte devido às dificuldades de locomoção do artista, cadeirante, pouco afeito a evocar suas limitações físicas, e, exatamente por isso, um exemplo de resiliência e coragem", observa a curadora.

Racionalidade construtiva

Embora centrada nos trabalhos recentes, a exposição se abre com obras emblemáticas das décadas de 1960 e 1970, pontuando momentos decisivos do percurso de Salvador. Entre elas, "Viu...!" (1968) evidencia o embate com a ditadura militar, período crucial em sua formação. "Desde os seus primeiros trabalhos nos anos 1960, Gilberto soube fundir a racionalidade construtiva com um ímpeto visual orgânico. Suas primeiras experimentações gráficas e pictóricas revelam uma consciência política imbricada ao ato plástico — a cor como discurso, o traço como denúncia", analisa Mattar.

A trajetória do artista desenha um movimento da figuração à abstração, sempre atravessado pela diversidade material. Formado em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP, Salvador incorpora folhas de acrílico, metal, objetos da construção civil e outros elementos em composições de notável coerência formal. "Gilberto incorpora diferentes materiais de uma forma absolutamente harmônica, é um trabalho muito rico de materiais, em todas as fases de sua trajetória", destaca a curadora.

Os recortes que destacam formas e o cromatismo vibrante constituem marcas distintivas de seu vocabulário visual. "Quando eu era criança uma das coisas que mais me impressionava eram os cartazes que havia na porta dos cinemas, com uma cena printada na madeira e recortada como se ela estivesse ganhando vida", recorda Salvador, que também trabalhou longamente com paisagismo. "O Brasil tropical é colorido, a nossa flora é colorida", destaca o artista.

SERVIÇO

GEOMETRIA VISCERAL

Paço Imperial (Praça XV de Novembro, 48, Centro)

De 9/12 a 1/3/2026, de terça a domingo e feriados (12h às 18h) | Entrada franca