Com curadoria de Alejandra Muñoz, a mostra reúne 39 obras que percorrem diferentes momentos da trajetória do artista: esculturas, relevos, gravuras e um raro desenho. O recorte idealizado pela curadora destaca o período em que Krajcberg radicalizou sua pesquisa plástica ao incorporar os vestígios materiais da destruição ambiental como matéria-prima: troncos calcinados, raízes retorcidas pelo fogo, fragmentos de vegetação carbonizada. Cada peça funciona como palavra ou grafismo de um texto maior, construindo uma narrativa visual sobre a relação predatória entre humanidade e natureza.
Entre os destaques estão obras inéditas no Rio, como o único desenho presente na coleção - também a peça mais antiga do acervo em exibição - e relevos que evidenciam a força gestual característica do trabalho de Krajcberg. Esses relevos, em particular, demonstram como o artista desenvolveu uma linguagem própria ao extrair potência estética de materiais marcados pela violência. O que poderia ser apenas resto, cinza, morte, transforma-se em forma artística carregada de sentido político e poético numa obra que jamais se limitou à elaboração formal, mantendo vínculo estreito com o ativismo ambiental.
Alerta isolado
A proposta curatorial estrutura a exposição como se fosse um sistema linguístico, no qual as obras operam como signos que, articulados, formam uma mensagem coerente sobre a devastação. "A proposta desta exposição busca ir além de uma mostra de objetos. Retoma e amplia a causa de um artista solitário que mostra um compromisso coletivo em prol da sobrevivência do nosso planeta. Aquilo que fora alerta isolado de Krajcberg nos anos 1970, infelizmente, cinco décadas depois virou uma constatação irrefutável", afirma a curadora.
Nascido na Polônia em 1921, Krajcberg perdeu a família no Holocausto antes de emigrar para o Brasil em 1948. Instalou-se inicialmente no Paraná, onde teve contato decisivo com a floresta, elemento que marcaria definitivamente sua produção.
Nos anos 1950, participou do ambiente de efervescência artística que caracterizou o Rio e São Paulo, mas foi ao se transferir para o sul da Bahia, na década de 1970, que deu forma definitiva à sua linguagem singular e adotou um modo de vida radical que traduzia suas convicções. Ali, em Nova Viçosa, construiu uma casa suspensa sobre palafitas a vários metros do chão, integrada às árvores da floresta, onde viveu durante décadas em isolamento quase eremita. Dessa morada elevada, testemunhou as queimadas devastadoras da Mata Atlântica e passou a coletar os restos das árvores carbonizadas, transformando-os em esculturas monumentais que denunciavam o crime ambiental. Krajcberg recusava a separação entre vida e obra, entre discurso e prática, habitando literalmente o território que defendia e do qual extraía sua matéria de criação.
Sua atuação artística sempre esteve entrelaçada com militância ecológica explícita. Em 1978, juntamente com o crítico francês Pierre Restany e o fotógrafo José Medeiros, redigiu o "Manifesto do Rio Negro", documento fundador da chamada arte ambiental no Brasil. Krajcberg jamais separou criação estética de posicionamento ético, recusando o papel de artista contemplativo para assumir a condição de testemunha e denunciante.
Além das obras em exibição, a mostra oferece programação educativa com visitas mediadas e uma oficina de curadoria com Alejandra Muñoz, no dia 4 de dezembro. Em consonância com o engajamento ambiental que perpassa o trabalho de Krajcberg, o espaço expositivo contará com ponto de coleta de pilhas e baterias.
Fracasso coletivo
As formas retorcidas, as superfícies carbonizadas, a materialidade bruta das esculturas ecoam as imagens que se tornaram familiares nos noticiários: florestas em chamas, biomas destruídos, ecossistemas colapsados.
O que Krajcberg intuiu e denunciou quando ainda era possível reverter o processo, hoje é evidência científica e tragédia anunciada. Revisitar sua obra, às vésperas da conferência ambiental COP30, é confrontar o fracasso coletivo em escutar um gito de alerta dado há décadas.
SERVIÇO
FRANS KRANS KRAJCBERG - UMA SEMÂNTICA DA DEVASTAÇÃO
Caixa Cultural Rio de Janeiro (Rua do Passeio, 38)
De 11/11 a 1/2, de terça a sábado (10h às 20h) | domingos e feriados (11h às 18h) | Oficina de curadoria: 4/12, das 14h às 16h, com a curadora Alejandra Muñoz | Entrada franca