O Centro Cultural Correios recebe a exposição "Terra", primeira individual da artista plástica paulista Zilah Garcia. Com curadoria da historiadora da arte, crítica, professora e pesquisadora carioca, Daniele Machado, a mostra reúne cerca de 20 peças de duas séries que entrelaçam memória afetiva, sustentabilidade e inovação técnica no fazer artístico inspirados no clássico Os sertões, de Euclides da Cunha.
"A exposição traz muito da minha verdade porque reflete histórias e experiências que carrego desde a infância, especialmente as que aprendi com meus avós. Essas memórias fundamentam as peças que o público verá na mostra", comenta a artista. As obras expostas ressignificam texturas, cores e materiais, e dialogam com temas como o êxodo nordestino, a resiliência humana e o impacto ambiental.
"Zilah é uma artista em pleno processo de construção, que se permitiu correr riscos significativos ao explorar novas técnicas e materiais. Os resultados de sua pesquisa e produção têm sido reveladores, e o risco assumido reflete coragem e dedicação", observa Daniele Machado.
Nascida em Olímpia, cidade do interior de São Paulo que ficou conhecida como a capital do folclore, Zilah cresceu em contato com as artes no ateliê da mãe e iniciou sua trajetória artística ainda criança, estudando pintura, escultura e desenho. Mais tarde, chegou a estudar a técnica de afresco na Itália.
Após dedicar-se por quase três décadas ao mercado de moda e estamparia, decidiu concentrar-se nas artes plásticas há cerca de três anos. Desde então, frequenta os cursos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde vem experimentando diferentes técnicas e linguagens, além de ampliar seu repertório nos cursos teóricos ministrados por Daniele Machado na mesma instituição.
Os trabalhos foram inicialmente inspirados no clássico da literatura brasileira "Os Sertões", de Euclides da Cunha. Em 2022, enquanto organizava seu ateliê, Zilah encontrou uma edição do livro, que havia lido na adolescência. A obra, que narra uma espécie de epopeia da vida sertaneja contra as elites brasileiras, trouxe à tona as imagens das histórias contadas por seu avô, que migrou do sertão nordestino para São Paulo em busca de uma vida melhor. Esse reencontro reavivou memórias familiares e aprofundou a conexão com o município de Quixeramobim, no Ceará, terra natal de Antônio Conselheiro, figura central da sangrenta Guerra de Canudos (1896-1897) e origem dos antepassados da artista. O bisavô de Zilah, Damião Carneiro, foi proprietário de uma fazenda na região.
"Minha obra é uma homenagem à luta dos sertanejos descritos neste livro originalmente publicado em 1902. Cada grão de terra carrega consigo histórias de resiliência e esperança, refletindo a força de um povo que resiste mesmo diante das condições mais adversas", afirma Zilah.
Tendo como matéria-prima a terra, a série é composta por pinturas-objetos - obras que, embora tenham a tela como suporte, incorporam um caráter tridimensional através de um processo artesanal e experimental desenvolvido por Zilah. O efeito craquelado, característico da terra que se racha devido à seca, é obtido por meio dessa experimentação que discute forma e espaço. Para criar as texturas, a artista coleta terra de diferentes regiões do Brasil e processa pedras que, ao serem trituradas, se transformam em uma espécie de massa. Essa mistura é esculpida na tela, aderindo à superfície durante o processo de secagem.
Para alcançar a consistência ideal, Zilah utiliza instrumentos manuais, trituradores elétricos e até secadores de cabelo, ajustando seu método conforme as características dos materiais encontrados. De acordo com a curadora, "essa liga não só evoca as condições áridas descritas na obra literária, mas estabelece um vínculo sensorial com o ambiente retratado". Na poética de Zilah, a seca se transforma na solução criativa que garante a conservação das obras, ao longo do tempo.
SERVIÇO
TERRA
Centro Cultural Correios (Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro)
Até 8/3, de terça a sábado (12h às 19h)
Entrada franca