Por: ALDO TAVARES

Linhas de fuga: Guerra civil ou guerra interna

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O senhor Senso Comum, proprietário da opinião individual, dissemina a ideia de que guerra civil é o confronto direto entre identidades opostas: de um lado, o Bem; e, de outro, o Mal. Mas não há esse didatismo político, se fosse tão fácil assim, a filosofia política não escreveria livros que vão muito além da superficialidade dualista fake ou fato.

A história nos mostra que o extremo sempre mentiu, que dizer, sempre fez da palavra ato teatral e, como toda mentira, o extremo inverte: "o-que-é-não-é" e "o-que-não-é-é". O extremo joga com os contrários, o que significa dizer que, ao afirmar sua identidade nacional, a extrema direita inventa a não-identidade, quer dizer, ela inventa o inimigo; ou, ao afirmar sua identidade patriótica, a extrema direita destrói a nação, pois, não admitindo nada diferente de sua identidade, ela é a única a representar a identidade do país.

A guerra civil, portanto, é a excelência do paradoxo político e, quando escrevo paradoxo, digo que "o ser" escapa à sociedade, fazendo com que, ao mesmo tempo, a coisa "seja-e-não-seja". Assim, sem saber mais "o-que-é", confusões se alastram na sociedade e, onde impera ausência do "ser", a violência, com toda sua força bruta, ergue-se para impor sua vontade, consequência do ato teatral da palavra.

O conceito marxista de luta de classes é insuficiente para compreender a guerra civil acima do dualismo bom e mau, preto e branco, dentro e fora, capital e trabalho. Reduzem a guerra civil ou a guerra interna à clássica guerra externa como confronto direto. A guerra interna pode até levar ao conflito direto entre opostos, mas pertence à guerra interna uma natureza mais elaborada e constante que não pertence à guerra externa.

Qual natureza? A de conservar a memória, isto é, a de nunca se esquecer do inimigo interno, pois, tendo-o como memória, a extrema direita conserva em seu opositor o ressentimento político, e um tipo de esquerda no Brasil, ao preservar sua identidade, sempre traz com ela a memória de seu opositor. Por causa desse jogo, desse paradoxo, a presença da extrema direita é a presença da esquerda; e a presença da esquerda, a da extrema direita. Uma rumina a outra; porém, por se tratar de paradoxo, a mentira confunde "quem-é-quem", confunde o "ser".

Na história, quem sempre deu as cartas e ampliou o jogo do ressentimento político foi a extrema direita. É preciso perder a memória - agora compreendo Nietzsche.