Ele caminha pelas ruas do bairro que nunca dorme, usando uma camiseta furada e um short sujo. Está sempre sozinho, sempre sozinho.
Praticamente não fala, às vezes ri quando para no balcão do botequim e bebe um gole d'água pensando que é cachaça.
Tem cerca de dois metros de altura e uns 150 quilos - se quisesse poderia ser um rei da violência nas noites de Copacabana, mas é um homem pacífico que dorme sempre na mesma esquina, aguentando calado todo sofrimento e miséria.
Sua única companhia é uma garrafa de éter, que ele carrega como uma filha, a filha que não teve ou que pode ter perdido numa tragédia - ninguém sabe ao certo - falam muitas coisas. Éter, muito éter, dá para sentir o cheiro da outra esquina.
Como esse grande homem sobrevive?
Como seu coração aguenta há tanto tempo?
Os garotos do bairro o conheciam nos anos 1970, ele atravessou os 1980 e chegou aos 1990. Ninguém sabe seu nome, é o Sr. Éter, Mr. Éter, o Éter. Um homem gigantesco, maltrapilho mas altivo, cujo tamanho denuncia uma possível infância bem criada que antecedeu a tragédia das ruas.
Ele pode ter sido um médico que viu a morte da própria filha, ele pode ter perdido toda a família no grande incêndio do circo em Niterói, ele pode ter sido muitas pessoas, mas só Copacabana tem um mendigo que é uma celebridade, que delicadamente dá de ombros a todos os moradores locais mas é conhecido por todos eles. Todos o conhecem, todos o respeitam, ninguém lhe estende a mão.
Mister Éter vai e vem por Copacabana inteira mais o Leme. É um patrimônio do bairro porque talvez ele represente o drama, a indiferença, a tristeza e a resiliência que Copacabana chega a exigir.
O recurso de falar deste personagem no presente é uma farsa, já que ele morreu há muitos anos, mas ao mesmo tempo vale porque ele seria um personagem plausível no bairro mais fascinante do Brasil.
Viveu, sofreu, morreu e ninguém soube seu nome, sua origem e o que levou a tantos anos de entorpecimento e resistência.
Ninguém lhe estendeu a mão, mas quando deixou a vida houve quem derramasse lágrimas em Copacabana, ainda que elas também contivessem certa hipocrisia.
Mister Éter foi presença, tragédia e mistério - o famoso mais escondido da história da Princesinha do Mar. Nunca pediu esmolas, nunca foi agressivo, passou a vida ensandecido pela substância e navegando pelas artérias de Copacabana.
Seu único pouso certo era a esquina de Barata Ribeiro com Constante Ramos, onde dormia numa calçada vermelha elevada, ao lado de uma quitanda e da Farmácia Piauí.
Ele morreu, as lojas também morreram, a Sorveteria Bolonha do outro lado da rua também morreu e só restou a calçada para rememorar um dos personagens mais conhecidos e desconhecidos do Rio. O príncipe da miséria, cheio de elegância.