Gramáticas classificam "morrer" como um verbo de ação, sintetizando um ato que, segundo o novo longa-metragem do artesão autoral franco-grego Costa-Gavras, pode simbolizar liberdade e serenidade. "Uma Bela Vida" é o título em português que a distribuidora Filmes do Estação escolheu dar para "Le Dernier Souffle" (na tradução mais corriqueira "O Último Suspsiro"), um drama comovente sobre finitude. Com estreia neste fim de semana, essa produção francesa marca a volta do papa do thriller político às telas, aos 92 anos. Sua estreia em solo brasileiro coincide com as celebrações dos 60 anos de carreira do cineasta.
Em 1965, Costa-Gavras lançou seu primeiro longa, o suspense "Crime No Carro Dormitório" ("Compartiment Tueurs"). Quatro anos depois, levou ao circuito europeu um estudo sobre corrupção, batizado com apenas uma letra, "Z", que lhe rendeu o Prêmio do Júri de Cannes e o Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira. De 1969 em diante, ele virou sinônimo vivo de combate, no audiovisual, atacando a direita, a esquerda, o centrão e a isenção. Numa fase de apogeu profissional, que se estendeu até 2002 (quando criou polêmica com "Amém"), o diretor ganhou a Palma de Ouro de 1982 (com "Missing") e o Urso de Ouro da Berlinale de 1990 (com "Muito Mais Do Que Um Crime"), além de ter emplacado sucessos de bilheteria sucessivos. "O Corte", que lançou há duas décadas, ficou sete meses em cartaz no Rio, sempre com salas cheias. Depois de um hiato de cinco anos sem lançar novidades, iniciado pouco antes da pandemia, depois que exibiu "Jogo do Poder" no Festival de Veneza de 2019, o realizador volta a mobilizar olhares com um estudo sobre despedidas, que concorreu à Concha de Ouro em San Sebastián, na Espanha, em setembro.
Visto por 115 mil pagantes na França em seus primeiros dez dias em cartaz, "Uma Bela Vida" se integra a um coletivo de produções europeias, de dramaturgia crepuscular, que fazem a crônica de uma morte anunciada, e o fazem sob a ótica dos que ficam, mas também sob a angústia dos que partem. Ponha no pacote "Hot Milk", da britânica Rebecca Lenkiewicz, que acaba de estrear no Rio; o francês "Quando Chega O Outono" ("Quand Vient L'Automne"), de François Ozon; e "O Quarto Ao Lado" ("The Room Next Door"), que rendeu o Leão de Ouro ao espanhol Pedro Almodóvar no ano passado. São títulos que apostam na investigação sobre as formas de se resistir ao fim iminente - tanto de órgãos e quanto de esperanças.