Num comunicado à imprensa, enviado por sua assessoria, Walter Salles, hoje rumo ao Oscar com "Ainda Estou Aqui", aclamou Mascaro: "O Grande Prêmio outorgado pelo Festival de Berlim a 'O Último Azul' é um reconhecimento do incrível talento de Gabriel e dos nossos atores e técnicos. A continuidade é fundamental para enraizar uma cinematografia, é isso que Gabriel Mascaro nos ofereceu hoje", disse Waltinho.
Houve alegria para o audiovisual verde e amarelo ainda noutra latitude de Berlim. Na sexta, "Hora Do Recreio", de Lucia Murat, ganhou a menção honrosa do júri da mostra Generation, cujo olhar se volta para a infância e a adolescência. Trata-se de uma aula nota 10 de estrutura dramatúrgica. Murat retrata a reação de uma série de estudantes a uma pesquisa com professores da rede pública. Os jovens documentados discutem temas como evasão escolar, racismo, tráfico de drogas, bala perdida, feminicídio e gravidez precoce, além de performarem uma peça de teatro baseada no livro "Clara dos Anjos. Houve outra menção pra gente, pelo curta "Atardecer en América", de Matías Rojas Valencia, uma coprodução com o Chile.
Quem presidiu as escolhas das produções vencedoras da competição principal foi o realizador americano Todd Haynes), ícone da produção indie e queer dos EUA. Seu colegiado de juradas e jurados foi composto por três cineastas (a alemã Maria Schrader, que também é atriz; o marroquino Nabil Ayouch; e o argentino Rodrigo Moreno); a figurinista Bina Daigeler, egressa de Munique; a crítica de cinema Amy Nicholson, do "Los Angeles Times"; e a estrela chinesa Fan Bingbing. Essa confraria de artistas embarcou na torrente lírica norueguesa do dulcíssimo "Dreams (Sex Love)", de Dag Johan Haugerud. Deram-lhe o Urso dourado pela habilidade com que Dag cartografa vivências amorosas no alvorecer da vida adulta, sendo hábil ainda para retratar angústias parentais (da mãe e da avó da protagonista). O filme é parte de uma trilogia (composta por "Sex" e "Love", ambos de 2024) dedicada a entender modos de amar, de gozar e de temer o querer. A trama ensaia uma ode à literatura ao narrar o processo de escrita de uma estudante adolescente no registro (em prosa) de suas fantasias sentimentais por uma mulher mais velha. As duas fazem crochê, papeiam e delimitam fronteiras que nem sempre a sociedade entender - ou respeita. "Escrever é uma forma de reinventar o que foi vivido, inclusive o primeiro amor, que é sempre uma experiência dura", disse Dag ao Correio.
Haynes e sua turma inauguraram seus trabalhos atribuindo a láurea de Contribuição Artística à produção francesa "La Tour De Glace", de Lucile Had€ihalilovic, no qual uma órfã acompanha a criação de uma fábula numa filmagem.
"O cinema está se desdobrando por muitas telas, entre as quais a dos streamings, e oferece a espaços como o dos festivais a chance de discutir uma transdisciplinaridade entre a prosa literária e a imagem filmada, sempre nas raias da imaginação", disse Lucile, em entrevista ao Correio antes da filmagem desse soturno (e gelado) conto de fadas com Marion Cotillard.
Na sequência, Haynes e sua patota premiaram a dramaturgia do já citado "Kontinetal '25", uma comédia escrita e pilotada pelo romeno Radu Jude (de "Má Sorte No Sexo Ou Pornô Acidental", o Urso de Ouro de 2021). Esse exercício de geopolítica foi delineado com o apoio da RT Features, de Rodrigo Teixeira. Seu enredo se passa na região de Cluj, na Transilvânia. Em seu enredo, um sem-teto comete suicídio depois de ser expulso de seu abrigo no porão de uma casa. Orsolya, a oficial de justiça que executou o despejo, é impelida a fazer várias tentativas para lidar com seus sentimentos de culpa pela morte do sujeito.
"A poesia que pode existir no cinema que eu faço vem do choque entre a ficção e o documentário numa espécie de retorno aos irmãos Lumière (os inventores da linguagem cinematográfica, inaugurada por eles em 1895). Rodei este longa com um smartphone e me pergunto o que os Lumière filmariam com um celular", disse Jude ao Correio na Berlinale. "É curioso um cara como um Rodrigo vir lá do Brasil para apostar em mim".
Teixeira esteve com ele no festival. "Ele é um diretor que admiro e que tem um trabalho espetacular", disse o produtor. "O cineasta brasileiro Gustavo Vinagre, a quem eu acabo de produzir, falou muito do Jude pra mim, no último Festival de Berlim. Eu já havia conhecido ele antes e resolvi procurá-lo. Aí ele trouxe essa ideia".
Ao decidir que concorrente levaria o Prêmio do Júri, Haynes e sua confraria louvaram a força da Argentina em tempos de Javier Milei, consagrando "El Mensaje", de Iván Fund. Fotografado em preto e branco, o longa assume como personagem central uma criança em fase de dentes de leite com a capacidade de se comunicar com bichos, inclusive aqueles que estão na fronteira entre a vida e a morte. Um dos tutores da menina, Roger (papel de Marcelo Subiotto, do premiado "Puan") cuida dela como um tesouro, por razões sentimentais e profissionais. Roger agencia as consultas que a guria dá para quem anseia por contato com finados animaizinhos. "Como somos obstinados, nós, argentinos vamos seguir fazendo cinema, mesmo frustrados com a política de hoje", disse Fund ao Correio. "Temos manhas".
Na premiação das melhores interpretações, Haynes e cia. coroaram o desempenho de Andrew Scott na dramédia "Blue Moon" com o troféu de Melhor Coadjuvante. Ele vive um mito do teatro estadunidense, o compositor Richard Rodgers (1902-1979), um deus da Broadway. O prêmio de atuação protagonista coube à esplendorosa composição de Rose Byrne em "If I Had Legs I Would Kick You", sobre uma terapeuta em conflito na maternidade.
Julgado por um júri paralelo, que incluiu a diretora mineira Petra Costa, o prêmio de Melhor Documentário da Berlinale ficou com "Holding Liat", de Brandon Kramer. O filme é uma eletrizante análise observacional do paiol de pólvora que o Oriente Médio pode ser. Seu foco é o sofrimento de uma família com quem tinham uma conexão prévia. Depois que a guia de turismo Liat Beinin Atzili foi raptada, em Kibbutz Nir Oz, em 7 de outubro de 2023, seus parentes - os israelenses e os americanos - enfrentam uma fase de horror, com medo de que ela seja assassinada. Seus entes queridos se unem para lutar pela sua libertação e pelo futuro de um projeto político de nação. "Numa situação de terror, a incerteza traz algo de tóxico para quem espera respostas", disse Kramer ao Correio.
Terminada a Berlinale, o circuito dos grandes festivais segue com Cannes, que realiza sua 78ª edição de 13 a 24 de maio, com Juliette Binoche presidindo a escolha da Palma de Ouro.