Por Redação
A Justiça Federal condenou dois estabelecimentos ligados à rede alimentícia em Teresópolis, pertencentes ao mesmo grupo, por práticas trabalhistas análogas à escravidão. A condenação foi proferida após uma ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que iniciou as investigações depois de denúncias de exploração de trabalhadores submetidos a condições que violam a dignidade humana. Os relatos foram apresentados ao órgão em 13 de novembro de 2014.
Segundo o MPF foram condenados quatro envolvidos no caso, sendo eles gerentes e proprietários. Cada um vai responder pelo crime de redução de alguém à condição análoga à de escravo, como prevê o artigo 149 do Código Penal. Os envolvidos podem cumprir cinco anos de reclusão e multa, devido à gravidade causada nas vítimas. Foram isentos da possibilidade de mudança de pena para privativa de direitos. Os acusados poderão recorrer em liberdade, de acordo com o ministério, e a fixação de valor mínimo para reparação por danos morais coletivos foi remetida ao juízo cível, para análise.
Denúncias
Na Apelação Criminal, apresentada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, é possível afirmar os fatos narrados por trabalhadores dos dois estabelecimentos. "Os denunciados, em comunhão de desígnios e de forma consciente e voluntária, sujeitam os empregados dos restaurantes a condições análogas à de escravos mediante a articulação de uma série de mecanismos de opressão psicológica e subtração de direitos trabalhistas, manejados deliberadamente para assegurar o aprisionamento dos subalternos aos ditames da relação laborativa, aproveitando-se da falta de opção de renda e moradia das vítimas, recrutadas em bolsões de miséria da Região Nordeste do país", trecho do documento.
As investigações mostraram que os empregados eram obrigados a trabalhar em jornadas diárias de 14 a 15 horas, sem a devida remuneração, sem horas extras ou adicionais. Além disso, por serem de outro estado não receberam a gratificação durante o primeiro mês, para "ressarcir" os empregadores das despesas adiantadas com passagem e deslocamento da Região Nordeste até o Rio de Janeiro.
Outro apontamento, fala sobre as condições de moradia desses trabalhadores, que foram instalados em locais insalubres, sem estrutura necessária, onde eram amontoados. A alimentação também era precária, sendo todos obrigados a consumir sobras de clientes. Uma das vítimas no processo, descreveu a situação. "Era servida aos empregados sobras do buffet como alimentação, em condições impróprias para o consumo e que as vítimas sofriam agressões físicas e eram objeto de um sistema de vigília, inclusive fora do horário de trabalho", trecho do relato que consta no processo.
Conforme o MPF as vítimas sofriam ameaças, agressões tanto físicas quanto psicológicas, intimidações sendo coagidos por objetos que traziam risco à integridade dos indivíduos, como arma de fogo, chicotes, referenciados como "chibatadas", entre outros que eram arremessados na direção dos trabalhadores. Testemunhas do caso relataram que por muitas vezes os funcionários eram chamados por apelidos depreciativos, como "passa-fome" e "Jumentos". Para além, eram obrigados a pagar por equipamentos de serviço como botas e uniforme, e ainda "ressarcir" os patrões por danos a móveis, utensílios danificados com preços acima do valor normal, ou seja, os valores cobrados eram superfaturados, facilitando o acúmulo de dívida dos mesmos.
"A denúncia narra, ainda, que os trabalhadores eram descontados pelo empregador em fração bem superior ao que representa um dia de serviço e eram obrigados a se consultar apenas com o médico da empresa, o que acarretava o comparecimento a trabalho mesmo doentes, haja vista a negativa de concessão de dispensa por mais de um dia", detalha outro trecho do processo.
Em suma, é evidente que a escravidão que durou mais de 300 anos no Brasil, não acabou em 13 de maio de 1888, como a sociedade pensa, as máscaras do passado continuam bem presentes na atualidade, como mostra o caso mencionado. Claro que os mecanismos e a forma que é feita mudou por conta da contemporaneidade, mas os efeitos são os mesmos, aproveitamento da mão de trabalho barata, o não zelo pela dignidade do trabalhador e o desrespeito com o ser humano.
Posicionamento dos envolvidos
A reportagem entrou em contato com os restaurantes envolvidos, mas até o final desta edição não recebeu um posicionamento sobre os fatos mencionados.