Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A Legião estrangeira de longas desembarca em Hollywood

'Emilia Pérez' acumula 13 indicações, mas sua reputação internacional desaba vertiginosamente em função de declarações desastradas de sua protagonista, Karla Sofia Gáscon, em postagens nas redes | Foto: Divulgação

É noite de Critics Choice Awards, realizado no Barker Hangar, em Santa Monica, e "Ainda Estou Aqui" concorre nessa premiação que integra o circuito de láureas da Oscar Season, maratona de competições (algumas sindicais, outras de associações de jornalistas) cuja raia de chegada é a cerimônia anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. A festança do cinemão está marcada para 2 de março, no Dolby Theatre, em Los Angeles.

Visto por 4,2 milhões de pagantes em nosso circuito, lotando salas planeta afora, o longa-metragem de Walter Salles pode ser oscarizado em três categorias, inclusive a mais cobiçada, a de Melhor Filme. Fernanda Torres, sua estrela, briga pela estatueta de Melhor Atriz. O terceiro flanco é o de Melhor Filme Internacional, que terá seus concorrentes e seus prognósticos analisados nesta reportagem. Ela é parte de uma série de reflexões do Correio da Manhã sobre a participação da saga da advogada Eunice Paiva (1929-2018) na maior festa da cultura pop em 2025. Sua trajetória de pelejas foi filmada por Salles com base no romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o filho da jurista.

A produção nacional tem mais bilheteria no exterior do que suas rivais, com uma arrecadação estimada em US$ 20 milhões.

Em anos recentes, o Brasil disputou Oscars em categorias variadas, como a de documentários - com "Lixo Extraordinário", em 2011, e "Democracia Em Vertigem", em 2020 - e a de Melhor Longa Animado, representado por "O Menino e o Mundo". Nos anos 1990, quando se falava em Melhor Filme Estrangeiro (e não Internacional), a Academia sapecou nosso cinema com três indicações em série. Em 1996, "O Quatrilho", de Fabio Barreto (1957-2019), esteve lá em L.A. pra jogo.

Dois anos depois, o irmão desse diretor carioca, Bruno Barreto, saiu em campo com "O Que É Isso, Companheiro?". Em 1999, foi a vez do próprio Salles, indicado por "Central do Brasil", que lhe rendeu o Urso de Ouro da Berlinale. Perdemos todas essas vezes, assim como não cravamos vitória em 1963, quando "O Pagador de Promessas" (nossa única Palma de Ouro até hoje) disputou o troféu estadunidense.

Embalado numa arrecadação comercial bojuda e num prestígio crescente desde sua primeira sessão pública, no Festival de Veneza, em setembro, "Ainda Estou Aqui" soma 24 prêmios em seu currículo, incluindo o Globo de Ouro de Interpretação, conquistado por Fernanda, no dia 5 de janeiro. O primeiro de seus troféus foi o de Melhor Roteiro, obtido em solo veneziano, dado a Heitor Lorega e Murilo Hauser. Eles adaptaram o olhar de Marcelo sobre a luta de Eunice para descobrir o paradeiro de seu marido, o ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva (Selton Mello), depois de ele ser levado para depor por agentes do estado fardado, em 1971.

Salles conta com um elemento que Hollywood reverencia: o comeback. Esteve no centro das retinas americanas há 26 anos, quando "Central do Brasil" levou Fernanda Montenegro (mãe de Torres) aos multiplexes dos EUA, e, gradualmente, foi se afastando dos radares dos estúdios, ainda que seu "Diários de Motocicleta" (2004) tenha rendido um Oscar ao compositor e cantor uruguaio Jorge Drexler. Ele foi premiado pela canção "Al Outro Lado Del Río", que embalava a saga do jovem Che Guevara, filmada por Waltinho com Gael García Bernal, do México.

E é justamente a terra de Gael que serve de cenário para o filme com o maior número de indicações (13) deste Oscar, "Emilia Pérez", do parisiense Jacques Audiard. Lançado por aqui nesta quinta-feira (6), tendo a Netflix como sua apoiadora, a produção francesa vem desabando gradualmente no boca a boca desde que sua protagonista, a atriz espanhola Karla Sofía Gascón, entrou na berlinda por uma série de postagens encaradas como racistas e xenófobas. Sua arrecadação está no lastro de US$ 13,5 milhões. O longa corre o risco de faturar menos que se esperava por conta do ódio contra Karla. Ela disparava como candidata à estatueta, com chances de fazer história como a primeira mulher trans com chances de consagração no voto dos acadêmicos. Hoje, seu prestígio se arrefece. Seu rosto chegou a ser removido das campanhas publicitárias da fita.

Indicado ao Oscar de Filme Internacional, esse musical anti-Broadway, muito falado e recitado (por vezes), traz a assinatura autoral do realizador de "Dheepan - O Refúgio" (vencedor da Palma dourada de 2015). Na trama, um chefão de um cartel mexicano, Manitas (Karla), recorre à ajuda a uma advogada, Rita (Zoe Saldaña), para transicionar e se assumir mulher. Quatro anos depois desse processo, sua figura ressurge na Europa como Emilia Pérez e retorna a seu país a fim de ajudar as vítimas do narcotráfico.

O fato de Audiard ter recriado o México em estúdio (em Paris) e ter cometido deslizes no falar do espanhol daquela nação irritou a população mexicana, que hoje vira as costas contra Karla. Zoe, entretanto, segue sendo a favorita ao Oscar de Atriz Coadjuvante, assim como a balada "El Mal" segue firme e forte como um ímã para o Oscar de Melhor Canção.

Com a controvérsia a afogar "Emilia Pérez" em ataques, o maior rival de Salles na baia do Filme Internacional virou o iraniano "A Semente do Fruto Sagrado" ("The Seed Of The Sacred Fig"). Embora se ambiente no Irã e seja falado em persa, com atores e equipe de Teerã, a produção disputa o prêmio representando a Alemanha. O motivo? Condenado pelas autoridades de sua pátria, que o consideram um inimigo do povo, seu realizador, Mohammad Rasoulof, encontrou refúgio em terras germânicas. Lá ele se resguarda das violências de sua nação.

Em cartaz no Brasil, esse misto de drama e thriller de Rasoulof já soma 29 prêmios desde sua primeira projeção pública, no Festival de Cannes, em maio, e faturou cerca de US$ 5 milhões (cifras baixas) em sua carreira comercial. Esse estudo sobre a metástase do fundamentalismo saiu da Croisette com o Prêmio Especial do Júri, o Prêmio do Júri Ecumênico e o Prêmio da Crítica. Foi projetado esta semana na Holanda, no Festival de Roterdã (que exibe "Ainda Estou Aqui" hoje). Em seu enredo, um juiz entra em paranoia ao se sentir perseguido e começa a se voltar de forma violenta contra suas filhas e sua mulher. Assim como Salles, Rasoulof também ganhou um Urso de Ouro. Foi premiado na Berlinale por "Não Há Mal Algum", em 2020.

A maior surpresa entre os candidatos ao troféu de Melhor Filme Internacional desta edição do Oscar é "Flow", da Letônia, que chama atenção por ser a única animação desse certame. É visto como o favorito na competição dos longas animados, sobretudo após ter recebido o Globo de Ouro nesse quesito antes dominado pela Disney. Gints Zilbalodis, seu diretor, lançou o filme na mostra Un Certain Regard de Cannes e, de lá para cá, só fez angariar fãs. Em sua trama sem diálogos, uma nova Arca de Noé - mas sem elementos místicos - salva um bando de animais de um dilúvio, num futuro distópico sem humanos. Um gato, o protagonista, terá que lidar com o resto da bicharada para chegar a um lugar seguro... em paz. Na venda de entradas, a via-crúcis desse felino faturou US$ 14 milhões.

Nos últimos 25 anos, duas animações de narrativa documental foram indicadas ao Oscar dos estrangeiros. Em 2009, "Valsa Com Bashir", de Ari Folman, defendeu a indústria de Israel aos olhos da Academia. Em 2022, foi a vez de "Flee - Nenhum Lugar para Chamar de Lar", de Jonas Poher Rasmussen, que concorreu pela Dinamarca. Nenhum deles foi laureado.

O quinto e último integrante dessa competição é escandinavo e não teve espaço em salas de exibição brasileiras, estreando diretamente em streaming, na MUBI: "A Garota da Agulha" ("The Girl with the Needle"), de Magnus von Horn. O realizador foi brigar pela Palma de Cannes com uma trama inspirada por fatos reais. Filma com evocações aos cânones do horror.

Polonês nascido na Suécia, o diretor havia se notabilizado antes com "Suor" (2020). Volta agora com uma produção dinamarquesa, que se baseia em fatos reais. Na trama, a operária Karoline (Vic Carmen Sonne) luta para sobreviver em Copenhague após a Primeira Guerra Mundial. Quando se vê desempregada, abandonada e grávida, ela conhece a carismática Dagmar (Trine Dyrholm), que administra uma agência de adoção clandestina. Karoline assume o papel de ama de leite dos bebês que lá aprecem e as duas se tornam bem próximas, mas o mundo da jovem é despedaçado quando ela descobre a verdade por trás do seu trabalho numa abordagem sufocante de Magnus, que lembra o terror do expressionismo dos anos 1920. Apesar de sua elegância visual, a produção teve uma receita pífia em cinemas, contando com o salvaguardo do www.mubi.com.

Nas próximas semanas, o CORREIO DA MANHÃ discute as chances de Fernanda Torres e avalia que longas podem ombrear "Ainda Estou Aqui" na faixa do Melhor Filme.