Por: Tales Faria

Trump acorda o monstro da CIA

Vieira e Rubio se encontraram na semana passada, destravando a negociação | Foto: Divulgação MRE

A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, na sigla em inglês) não é apenas um órgão de arapongagem do governo norte-americano. É um instrumento de intervenção efetiva – muitas vezes, criminosa – em outros países.

Fundada em 1947, a CIA se tornou parte fundamental do combate norte-americano a tudo e todos que os governos daquele país considerassem ameaça ao "american way of life", ou seja, ameaça ao que chamavam de "modo de vida americano".

Seu posicionamento radical sobre a polarização da geopolítica no pós-guerra a levou a tratar a América Latina como um verdadeiro quintal dos EUA.

Especialmente antes da queda do muro de Berlim e durante o período de Guerra Fria com a União Soviética, a CIA conduziu uma longa lista de operações secretas e não secretas de intervenções sobre os países da região, marcadas por assassinatos, financiamentos a órgãos de repressão e torturas não só contra esquerdistas, mas também contra adversários econômicos.

O caso da Guatemala, em 1954, é emblemático. A CIA patrocinou um golpe militar simplesmente porque uma empresa, a United Fruit Company, se sentia prejudicada pelo governo democraticamente eleito,de Jacobo Árenz.

Mas foram os casos de motivação ideológica que fizeram a fama da CIA como um verdadeiro monstro a atuar na região. O monstro, que vinha adormecido, atuou em casos absolutamente sangrentos, como o golpe no Chile, em 1973, com o assassinato do presidente Salvador Allende que havia chegado ao poder de forma pacífica e democrática.

A CIA auxiliou um processo de sabotagem econômica contra o país e financiamento de milícias que resultou num verdadeiro show de horrores e torturas no estádio nacional de futebol da capital, Santiago.

Em 1975, os Estados Unidos formalizaram um esquema secreto de suporte e apoio direto da CIA a seis ditaduras no chamado Cone Sul da América Latina. A aliança, chamada Operação Condor, juntava Brasil, Chile, Argentina, Bolívia, Uruguai e Paraguai. Contava com um banco de dados compartilhado para monitorar opositores e suas famílias. Calcula-se que o acordo resultou em centenas de mortes, com torturadores treinados por profissionais enviados dos EUA.

É esse monstro que estava adormecido e Donald Trump despertou ao anunciar, na quarta-feira (15), ter autorizado a CIA a executar "operações secretas e letais" na Venezuela.

Trump revelou que autorizou inclusive incursões em terra e que as operações da CIA se somariam às ações militares já em curso no Mar do Caribe, e que incluíram bombardeios contra pelo menos cinco embarcações. Nesses ataques, segundo Washington, contra navios que estariam transportando drogas para os EUA, 27 tripulantes foram mortos.

O anúncio de Trump ocorreu horas após o jornal New York Times divulgar a autorização secreta dada à CIA, e que inclui até tomar medidas contra o presidente Nicolás Maduro e seu governo.

O temor do governo brasileiro é de que, ao se estabelecer essa nova (e antiga) postura belicista e intervencionista da CIA, o "monstro" passe a se espalhar por toda a região além da Venezuela.

Abriria possibilidade de apoio dos EUA – via CIA – inclusive a regimes autoritários, como no passado, sempre que os norte-americanos considerarem prejudicados seus interesses empresariais ou políticos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva instruiu o Itamaraty a utilizar meios diplomáticos para evitar uma intervenção dos EUA na Venezuela. Daí porque o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, sugeriu ao secretário de Estado Marco Rubio, no encontro desta quinta-feira (16), intermediação do Brasil na negociação dos EUA com a Venezuela.