É preciso levar a sério as investidas do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a América Latina.
Essa é a avaliação passada ao Palácio do Planalto pelo Itamaraty a propósito das recentes atitudes de Trump em relação à região. Tanto suas decisões econômicas como as movimentações militares.
Não há ainda uma posição fechada do governo brasileiro, mas cresce a avaliação de que Trump está atuando no sentido de evitar que a China avance sobre o Continente. E que ele está disposto a colocar em jogo peças militares para evitar este avanço.
Para Trump, são sinais do grande aumento da influência chinesa o incremento das relações econômicas do bloco dos Brics com os países da região e a aproximação cada vez mais estreita da própria China com a Venezuela.
A ameaça de operações com navios próximos à costa venezuelana é entendidaa por uma parcela do governo brasileiro como um recado para a China e até mesmo para o Brasil. Um recado que não pode ser ignorado ou tratado como algo sem consequências.
Além de manter relações cada vez mais estreitas com a China, a Venezuela tem contado com o apoio deste país, junto com a Rússia, para se integrar ao Brics. Este bloco de países, do qual o Brasil faz parte, é visto por Trump como o maior adversário hoje dos Estados Unidos na geopolítica internacional.
No Palácio do Planalto há também o temor de que Trump esteja em busca de um inimigo externo para minorar a queda de popularidade que vem enfrentado em seu país.
Um atrito com a Venezuela poderia trazer dividendos eleitorais para Trump, mas teria repercussões perigosas no Brasil. Os dois países têm 2.199 quilômetros de fronteira terrestre.
Na semana passada, o governo dos EUA chegou a admitir que ordenara a movimentação de navios na região para supostamente conter grupos de narcotraficantes. Mas depois negou informações da agência Reuters de que três navios de guerra e cerca de 4 mil militares chegariam às águas territoriais da Venezuela nas próximas 36 horas.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, reagiu. "Nenhum império tocará o solo sagrado da Venezuela, nem deve tocar o solo sagrado da América do Sul", discursou na terça-feira, 19, quando anunciou a possível mobilização de 4 milhões de milicianos.
O presidente norte-americano vem dando sinais de que também pode estar se preparando para utilizar medidas de força em seu próprio país, como o envio de militares da Guarda Nacional para Washington.
No sábado, 16, os governadores de três estados aliados anunciaram o envio de centenas de soldados à capital do EUA a pedido do presidente.
Trump chegou a declarar que assumirá o controle da segurança local por causa de um suposto aumento da criminalidade.
Washington é um distrito federal autônomo sob jurisdição do Congresso dos EUA. Dados do próprio Departamento de Justiça apontam que os crimes violentos no ano passado atingiram o nível mais baixo em 30 anos.
O mesmo argumento da criminalidade ele está usando para os países da América Latina. Trump chegou a apontar Brasília como exemplo de cidade dominada pelo crime quando anunciou estado de emergência na segurança pública de Washington.
Por tudo isso e mais outras atitudes belicosas do presidente norte-americanos sobre os países da América Latina, como México e Colômbia, incluindo decisões econômicas injustificadas, como no tarifaço, há um temor crescente de que Trump esteja apenas à procura de um bode expiatório para se fortalecer internamente no EUA.