Por: POR RUDOLFO LAGO

CORREIO POLÍTICO | Quando a disputa entre os poderes vira burrice

Presa, Zambelli não exerce o mandato. Nem ninguém | Foto: Lula Marques/ Ag..ncia Braasil.

A gestão Hugo Motta (Republicanos-PB) parece ter uma curiosa predileção pelas madrugadas. Depois de votar o PL da Dosimetria perto das 3h da manhã de quarta-feira (10), livrou de cassação a deputada Carla Zambelli (PL-SP) depois de 1h da manhã de quinta-feira. A decisão sobre Zambelli, é claro, não é de Motta, mas do plenário da Câmara. Mas, para além da polêmica constitucional, que o Correio Político vai abordar, ela talvez se aproxime das raias da burrice política. É quando a já atual perigosa disputa entre os poderes sai dos limites da racionalidade. Ao contrariar o Supremo e manter o mandato de Zambelli, a Câmara, na prática, tomou a decisão de reduzir de 513 para 512 o número de deputados federais.

 

Nem Zambelli nem ninguém

O mesmo no caso de Eduardo Bolsonaro | Foto: Lula Marques/Agência Brasília

Carla Zambelli está presa na Itália, esperando uma decisão sobre sua extradição. Quando acontecer, ela seguirá aqui presa, já que está condenada a dez anos de prisão. Ou seja, não tem como exercer seu mandato. Mantida deputada, ela, então, impede que assuma no seu lugar aquele que seria o seu suplente, o Coronel Tadeu (PL-SP). Vale também para os casos de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Em vez de 513, 510

Os dois deixaram o país. Eduardo para fracassar na tentativa de salvar dos EUA seu pai da prisão. E Ramagem para escapar do seu próprio encarceramento. Mantidos os mandatos, impedem também a assunção de seus suplentes. O segmento conservador tira três dos seus do quórum da Câmara. Não é só Coronel Tadeu que é do mesmo grupo da ultradireita do qual participa Zambelli. O suplente de Eduardo é o Missionário José Olímpio, pastor evangélico, que chegou até a assumir quando o filho 03 de Jair Bolsonaro pediu licença.

titulo notas

E o de Ramagem é Dr. Flávio, também do PL, secretário estadual do partido no Rio. "Trata-se de um tremendo tiro no pé diante de uma convicção de que tem que firmar sua posição como poder e proteger seus pares", avalia o advogado com participação nas cortes superior e analista político Melillo Dinis. Além disso, não parece ter o mínimo amparo na Constituição.

Decisão da Justiça

Quando a Justiça determina a perda do mandato de um parlamentar, explica Melillo, tal decisão não se reverte. Porque é a Justiça quem autoriza a posse - no caso, a Justiça Eleitoral. Os políticos são, sem dúvida, eleitos pelo voto da população. Mas é a Justiça Eleitoral quem os diploma e autoriza.

Concede e tira

Assim, no entendimento de Melillo, quem tem o poder de autorizar o exercício político tem o poder de desautorizar também. Sobre isso, inclusive, há uma decisão de 2005 do então ministro Marco Aurélio Mello. Referia-se à perda de mandato do então deputado Ronivon Santiago. Marco Aurélio foi o relator.

Não reverte

Disse, na ocasião, Marco Aurélio: "Câmara dos Deputados não pode reverter decisão da Justiça". Para Melillo, para além do desrespeito a uma decisão judicial, há aí a criação de uma situação que "desencanta", na sua avaliação o cidadão. "Como fica ao ver um parlamentar prosseguir condenado?"

Desencanto

O "desencanto" prossegue também diante da descrença nos poderes. Se um poder determina e o outro não cumpre, que mensagem se passa? Os próprios detentores dos poderes passam a mensagem de aquilo que fazem e decidem pode ser desrespeitado, não precisa ser levado a sério. Só deve ser obedecido quando convém.

Lei que não pega

Então, se infelizmente a cultura brasileira absorve a triste ideia da "lei que pega" e da "lei que não pega", é nos poderes da República que ela se inicia. Juiz não pode aceitar carona em jato de advogado. Mas aceita. Parlamentar também que preservar o decoro. Não preserva. Não pode desviar verba pública. Desvia.

Madrugada

Talvez seja tudo isso o que explique a preferência pelas decisões na madrugada. O que, no fundo, é mais uma certa carência de inteligência. Tomada a decisão na calada da noite, o galo canta no final da madrugada. E o cidadão acorda e fica sabendo. Até a próxima madrugada, haverá no meio um dia de desgaste.