Por: Cláudio Magnavita*

Ministros do STF e seus parentes, como Pessoas Expostas Politicamente, estão na mira do Coaf/Bacen

Risco é de quebra da credibilidade do Banco Central | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O Banco Central e os os seus aliados no embate de vale tudo com o STF possuem uma arma secreta, que em passado recente já foi utilizada politicamente contra o senador Flávio Bolsonaro: o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que está lotado na estrutura do BC.  

A Circular BACEN nº 3.978/2020 do Banco Central, que dispõe sobre prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, classifica como Pessoas Expostas Politicamente (PEPs) pessoas que ocupam ou ocuparam cargos públicos relevantes, seus representantes, familiares e colaboradores próximos, nos últimos cinco anos.

A Seção VII, da circular do BACEN, traz a Qualificação como Pessoa Exposta Politicamente e obriga no Artigo 27 as instituições financeiras a implementar procedimentos que permitam qualificar seus clientes como PEPs. Neste artigo, no item III, estão listados: os membros do Conselho Nacional de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais Regionais Eleitorais, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e do Conselho da Justiça Federal.

O COAF/BACEN tem que ser comunicado sobre todas as movimentações atípicas das autoridades, seus parentes, empresas que participam e sócios. Toda a vida financeira dos ministros do STF e STJ é monitorada. Depósitos realizados em empresas ligadas a cônjuge e filhos são do conhecimento do Coaf e as instituições financeiras geram informes eletrônicos para o Conselho sobre os PEPs.

Um site ligado a um ex-banqueiro publicou no final da tarde desta segunda, 29, a existência de contratos envolvendo outros parentes de ministros do STF. Uma informação que foi recebida como uma mensagem velada, já que o autor é um conhecido jornalista, com uma relação de unha e carne com um ex-ministro do STF. De onde teria vindo está especulação? Todos apontados no texto são PEPs, com suas vidas monitoradas no Coaf/Bacen.

nApesar do presidente do Coaf ser um delegado da Polícia Federal, é a PF que tem sido acusada de vazamentos com o mesmo padrão do que ocorreu na Lava Jato.

Fala-se em controle do STF, código de conduta, mas a existência do monitoramento pelo Coaf das Pessoas Expostas Politicamente é um dos mais rigorosos do mundo. Não há uma movimentação atípica que não escape da rede. R$ 3,6 milhões depositados na conta de uma empresa na qual os três sócios estão classificados com PEPs seria informado imediatamente. Sendo uma operação justificada e lastreada por contrato, as justificativas são aceitas e não são ilegais, porém, a informação existe e pode ser usada para criar uma nuvem de suspeição. Os dados de quem pagou e quem recebeu vão para relatório.

Nos últimos cinco anos (2020-2025), o Coaf foi alvo central de debates jurídicos sobre o compartilhamento de dados, especialmente após o caso Flávio Bolsonaro (2019), com o STF validando o envio de dados sem autorização judicial, mas com divergências sobre o envio "por encomenda", levando a anulação de provas e paralisações de inquéritos.

Um relatório do Coaf apontou em 2019 movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, gerando uma crise, com acusações de vazamento e paralisação da investigação. O próprio STF validou o compartilhamento espontâneo de relatórios pelo Coaf com o MP, sem autorização judicial prévia, desde que sigiloso e formal. Isso permitiu a retomada do caso Queiroz e outras investigações.

Em agosto de 2025 o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a validade do uso de provas encontradas a partir de dados do Coaf. Os casos envolvem situações em que o Ministério Público pediu relatórios financeiros sem autorização judicial ou abertura de um procedimento formal de investigação.

A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1537165, de relatoria do ministro, e atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). A suspensão está prevista no artigo 1.035, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil (CPC) e vale até que o Supremo decida de forma definitiva sobre o tema, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.404).

Em setembro passado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, fez um alerta premonitório sobre os riscos do uso indiscriminado de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) do Coaf. Gilmar falou sobre o tema no evento "O Coaf e a Jurisprudência do STF", que foi organizado pelo Grupo de Estudos de Lavagem de Dinheiro da Universidade de São Paulo (Geld-USP) .

A ida do Coaf para o BC foi uma decisão do governo Bolsonaro em 2019, via Medida Provisória (MP), depois transformada em lei, com o objetivo de tirar o órgão do "jogo político", especialmente após investigações envolvendo Flávio Bolsonaro, e dar-lhe autonomia técnica vinculada ao BC, visando fortalecer o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, com o próprio Banco Central indicando a nova direção. Ninguém poderia imaginar que seis anos depois o BC estaria em litígio com o STF e informações sobre a vida financeira de parentes de ministros sendo usadas como instrumento de pressão por uma parte da mídia.

O Casamento do Coaf e BC gerou um Frankenstein

Em 2019, no Senado, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega considerou a transferência do Coaf para o BC uma "aberração administrativa" sem paralelo no Brasil e no mundo. A avaliação do ex-ministro foi feita ao participar de audiência pública interativa sobre a MP 893/2019. "O Coaf e o BC são órgãos de mesmo nível hierárquico, um subordinado ao outro. O BC e o Coaf são órgãos de segundo escalão que costumam estar vinculados à Presidência da República ou a ministro de Estado. A vinculação do Coaf ao BC significa uma redução da importância do Coaf do ponto de vista administrativo", afirmou Maílson. Lembrou também na audiência que o Coaf é resultado do Acordo de Viena, assinado pelo Brasil, e compõe um sistema internacional de troca de informações que se relaciona com órgãos similares de todo o mundo com o objetivo de aperfeiçoar o combate à lavagem de dinheiro.

Na mesma audiência, o ex-ministro da Fazenda questionou: "Por que nos Estados Unidos a unidade de inteligência financeira não é vinculada ao Banco Central americano? Porque não faz o menor sentido. O Banco Central é um órgão regulador do sistema financeiro, que tem a responsabilidade de assegurar a estabilidade da moeda e do sistema financeiro".

Este Frankenstein criado no Governo Bolsonaro, na visão de Maílson da Nóbrega, possui funções diferentes e até  "estranha" às funções do BC, que constitui um órgão que "nada tem a ver" com inteligência financeira. "O fato de regular o sistema não significa que o BC tem atividade semelhante à inteligência financeira, a qual consiste em reunir, processar e analisar informações, base para abertura de processos pelo Ministério Público. O BC não é nada disso. As responsabilidades do BC são cumpridas por meio da política monetária, regulação e fiscalização. Nada a ver com inteligência financeira. Quem falou que o Coaf parece com o BC disse uma bobagem", afirmou. 

Apesar do alerta, a MP foi transformada em Lei e hoje a lupa que o Coaf coloca sobre as Pessoas Expostas Politicamente (PEPs) pode até está sendo usada como arma no embate do Banco Central, as instituições financeiras e o STF.

*Diretor de Redação do Correio da Manhã