Em meio à maior crise já enfrentada pelo sistema Unimed no Rio de Janeiro, uma personagem até aqui tratada com excessiva complacência precisa ser colocada no centro do debate: a Unimed Seguros — e, mais especificamente, seu presidente, Helton Freitas, cujo projeto de poder interno transformou a seguradora no principal fator de instabilidade do sistema cooperativista de saúde.
A derrocada da Unimed-Rio, que deixou mais de 800 mil vidas à beira da desassistência, exigiu a mobilização coordenada de instituições públicas e entidades do sistema Unimed. Mas, quando chegou a hora de agir, uma das peças-chave desse arranjo simplesmente não apareceu.
E não apareceu porque não quis.
A Unimed Seguros, dirigida por Helton Freitas, tinha — por escrito — a obrigação de assumir a carteira da Unimed-Rio caso sua recuperação fosse impossível. Estava tudo previsto no Termo de Compromisso firmado em 2016 com a ANS, MPRJ, MPF e demais compromissárias. A crise veio. A inviabilidade ficou clara. Mas a Seguros não apresentou a proposta obrigatória. Não assumiu a carteira. Não dividiu o risco. Preferiu o silêncio estratégico — e politicamente conveniente.
Quem assumiu o passivo bilionário de R$ 1,7 bilhão, a urgência assistencial e a pressão operacional foi a Unimed FERJ, jogada ao centro do incêndio para impedir um colapso sistêmico no Rio de Janeiro. Enquanto tentava reorganizar a rede, pagar hemodiálises, cirurgias oncológicas e internações de alta complexidade, a FERJ fazia o que a Seguros deveria ter feito: garantir o atendimento dos beneficiários.
Mas o capítulo mais corrosivo dessa história não foi a omissão, e sim o que veio depois.
Mesmo fugindo da obrigação institucional que assinou, a Unimed Seguros passou a invadir o território da FERJ, disputar prestadores, recrutar corretores e captar beneficiários no Rio e em Duque de Caxias — as mesmas praças onde a Federação tentava, com parcos recursos e dívidas acumuladas, evitar o caos assistencial.
Na prática, a Unimed Seguros passou a canibalizar a receita da FERJ, drenando recursos de uma entidade já fragilizada e transformando a crise do sistema em oportunidade comercial e política.
Porque, ao contrário do que se vende nos discursos cooperativistas, há um projeto pessoal em curso: Helton Freitas trabalha nos bastidores para se viabilizar como futuro presidente da Unimed do Brasil, e utiliza a Seguros como instrumento para consolidar poder, influência e território.
Para quem acompanha a política interna do sistema Unimed, a equação é cristalina:
quanto mais fragilizadas as singulares e federações, maior o espaço de manobra para a Seguros — e maior o capital político acumulado por seu presidente.
É uma lógica perversa, mas eficaz: ganhar força interna às custas da asfixia financeira de quem está lutando apenas para manter pacientes vivos.
O resultado desse comportamento predatório é devastador. A Unimed FERJ, que assumiu heroicamente a carteira da Unimed-Rio para evitar desassistência em massa, foi empurrada para o limite financeiro por dívidas renegociadas, efeito-represa de atendimentos represados e queda drástica de capital de giro. E, enquanto isso, a Seguros seguia expandindo silenciosamente sua presença comercial na mesma área, como se fosse apenas mais um movimento empresarial — quando, na verdade, era um golpe político.
Mas o próximo capítulo dessa história, que deveria envergonhar qualquer defensor do cooperativismo, aconteceu agora, em novembro.
Com a FERJ à beira do colapso, e após meses de ausência da Unimed Seguro, quem foi obrigada a assumir a responsabilidade assistencial foi a Unimed do Brasil, uma entidade que sequer opera como operadora de saúde.
A Confederação Nacional, que nunca geriu carteira de beneficiários, teve de firmar contrato de compartilhamento de risco para garantir, a partir de 20 de novembro, o atendimento de todos os usuários da FERJ. A Unimed do Brasil precisou intervir porque a Seguros, que tinha o dever — e a capacidade — de agir, optou pela omissão.
Enquanto isso, a Helton Freitas segue trabalhando para projetar-se como líder máximo do sistema Unimed — permanece incólume, expandindo território, acumulando influência e deixando para trás médicos, prestadores e beneficiários que pagam o preço de seu projeto pessoal.
A crise da FERJ não é apenas consequência da falência da Unimed-Rio.
É também — e talvez principalmente — produto da combinação explosiva entre omissão institucional, expansão predatória e ambição política.
Se o cooperativismo ainda significa alguma coisa dentro do sistema Unimed, este é o momento de olhar sem eufemismos para a pergunta que ninguém quer formular abertamente:
como é possível que uma entidade criada para fortalecer o sistema se comporte como seu maior predador?
A resposta está diante de todos — basta coragem para dizê-la.
Nota de Resposta
A Seguros Unimed enviou a seguinte nota que reproduzimos na íntegra a seguir:
"Posicionamento Seguros Unimed
A Seguros Unimed esclarece que não integra o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) desde fevereiro de 2024, por força de decisão judicial da Justiça Federal do Rio de Janeiro, oportunidade em que foi desobrigada dos termos do referido TAC.
O TAC tinha como finalidade a reorganização da operação da Unimed-Rio, e a eventual atuação da Seguros Unimed estava condicionada ao cumprimento das cláusulas pela Unimed-Rio e ao acesso às informações necessárias, o que não ocorreu, mesmo após solicitações formais.
Diante do agravamento do cenário econômico-financeiro e assistencial da Unimed-Rio, aliado ao cerceamento às informações requeridas, inclusive oficialmente aos agentes responsáveis, a companhia não viu outra alternativa senão acionar a Justiça Federal do Rio de Janeiro em 2023, medida que culminou com sua saída do TAC em fevereiro de 2024.
Importante esclarecer que, após essa desvinculação, a Seguros Unimed não foi chamada a compor novos instrumentos firmados junto à ANS, que passaram a ser conduzidos diretamente entre a Agência e os demais signatários.
Em março de 2024, foi celebrado um novo acordo com a participação de todos os agentes originais do TAC, exceto a Seguros Unimed, que definiu a transferência da carteira da Unimed-Rio para a Unimed FERJ e tratou de uma dívida assistencial de R$ 1,6 bilhão, além de outros atos posteriores, dos quais a companhia não participou.
Importante salientar que todas as medidas adotadas pela Seguros Unimed foram devidamente amparadas em suas políticas e estrutura de Governança, envolvendo conselho de administração e comitês, sob auditorias interna e externa, assegurando gestão técnica, responsável e transparente.
A Seguros Unimed é uma sociedade anônima de capital fechado, com severa governança, e suas decisões são colegiadas, maduras e responsáveis, não representando a atuação isolada de um único executivo.
Por fim, reforçamos que a Seguros Unimed não comercializa planos como operadora no Rio de Janeiro, atuando como seguradora nacional em modelo regulado distinto, cumprindo integralmente as regras de comercialização e territorialidade do Sistema Unimed. Não houve qualquer conduta que caracterize aproveitamento comercial da situação.
A Seguros Unimed, braço segurador do Sistema Unimed, permanece comprometida com a estabilidade do Sistema Unimed, com a conformidade regulatória e com a continuidade da assistência aos seus beneficiários, atuando de forma cooperativa e alinhada aos princípios que norteiam a marca".