Por: Luciana G. Gouvêa*

Ameaça da dívida pública

No país, mais de 11 milhões de servidores civis formam a espinha dorsal da administração pública. São professores, profissionais da saúde, técnicos, policiais, engenheiros e gestores que mantêm funcionando os serviços essenciais à população. A grande maioria desses trabalhadores recebe salários modestos, muitos sem reajuste há anos, e ainda assim são frequentemente tratados como responsáveis pelo desequilíbrio fiscal. Enquanto isso, uma minoria protegida mantém supersalários que ferem o espírito da Constituição e corroem os cofres públicos.

Em meio à instabilidade econômica internacional e ao impacto das novas taxações impulsionadas pelos Estados Unidos, o governo brasileiro acena com mais um pacote de medidas fiscais que, novamente, transfere a fatura aos de sempre: consumidores, pequenos empreendedores, aposentados, pensionistas e servidores públicos. O cenário é de sufocamento: aumento de tributos, perda de direitos, deterioração dos serviços públicos e esvaziamento da confiança institucional.

Enquanto isso, os supersalários permanecem intocados. Apenas 0,23% dos servidores recebem acima do teto constitucional, hoje fixado em R$ 39,2 mil, o equivalente a 35,6 vezes o salário mínimo. Alguns vencimentos ultrapassam R$ 100 mil mensais, inflados por penduricalhos e brechas legais. Só esse grupo restrito consome cerca de R$ 2,6 bilhões por ano, valor suficiente para financiar um ano de Bolsa Família para mais de 1 milhão de famílias em situação de vulnerabilidade.

A contradição salta aos olhos: o governo diz querer proteger os pobres e tributar os ricos, mas continua favorecendo uma elite funcional enquanto penaliza quem mais depende de estabilidade, serviços públicos e respeito aos direitos conquistados.

Neste contexto, a responsabilidade pela mudança é de todos nós, especialmente dos próprios servidores, aposentados, pensionistas e consumidores conscientes. Ações aparentemente simples, como revisar extratos bancários, contracheques, cálculos previdenciários e reajustes legais, podem ser o divisor de águas entre a perda silenciosa de um direito e a reconquista da dignidade.

Em um país onde o desrespeito se naturalizou, vigiar os próprios direitos é um ato de resistência democrática. Justiça não é um favor, é uma conquista. E para qualquer conquista, agir é preciso.

*Advogada. Especialista em Proteção Legal Patrimonial e Proteção Ética e Legal Empresarial, informação e entrega de direitos. Especialista na área de inovação e tecnologias