Como não gostam de sinais fechados, cariocas adaptaram para o trânsito a lógica de pedir uma dose um pouco maior da bebida que o garçom coloca no copo — inventaram assim algo que pode ser chamado de "chorinho do sinal".
Nada a ver com o estilo musical: o chorinho, aqui, traz a ideia de um pedido, um último apelo para que o sujeito que segura a garrafa se comova com bêbado à sua frente e despeje no copo uma quantidade de bebida além daquela determinada pelo dosador. Um jeito simpático de tentar beber mais gastando menos.
Até aí, tudo bem. O choro é livre — neste caso, fruto de uma negociação entre cliente e garçom. Este que, devidamente autorizado pelo patrão, comova-se com o pedido e deixe escorrer mais alguns fiapos de bebida para o copo, ultrapasse o limite previamente estabelecido.
O problema é a adaptação da lógica deste choro para o trânsito. É quando o motorista, ao se deparar com a ordem de pare gritada pela luz vermelha, ao invés de frear, pisa mais fundo no acelerador para esticar o verde que já ficara no passado. Tem uma espécie de daltonismo voluntário e passageiro.
É como se, moralmente, ultrapassar o sinal vermelho desse jeito fosse menos grave. A tal acelerada funcionaria como um chorinho, uma esticada, um pecado menor, transforma o sinal de trânsito numa espécie de alegoria de carnaval.
A prática, antiga por aqui, ganhou mais força nos últimos anos, movida talvez pela embriaguez coletiva provocada no trânsito por motociclitas e condutores de bicicletas elétricas. Na hora em que se institui o vale tudo, isso tem que valer para todo mundo.
O descalabro no trânsito e a aplicação da lei do mais forte sedimentaram no Rio uma prática que indica o tamanho de nossa incivilidade. Ninguém ousa começar a travessia de uma rua assim que o sinal de pedestres fica verde. A tendência coletiva é de esperar que os carros parem primeiro para só aí dar o primeiro passo — com o pé direito ou esquerdo, tanto faz — na direção do outro lado.
Esse medo dos pedestres diz muito sobre todos nós, ressalta uma outra forma de injustiça e de brutalidade. Revela um certo conformismo social com o exercício de poderes indevidos e abusivos. Chega a ser raro ver uma reclamação dirigida ao motorista ou motociclista que ignora a ordem de parar.
A selvageria no trânsito tem método; derivada da tradição hierárquica e excludente da nossa sociedade, é mais uma forma de aplicação do principio do manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mais do que frisar uma aversão ao cumprimento de normas, ressalta que estas servem mais para alguns e menos para os outros. A velha história do todos serem iguais, ainda que alguns sejam mais iguais que outros.
A resistência de parte da socidade à aplicação das leis de trânsito, como a maior colocação de radares, é bem significativa. Por aqui, há políticos que se elegem com base no falso discurso de "indústria das multas", como se estas fossem aplicadas de maneira aleatória e sem lógica.
É chato parar em sinal de trânsito, não poder estacionar em qualquer lugar, ter que prestar atenção nos limites de velocidade — tudo isso limita a liberdade do indivíduo, mas é essencial para que haja um convívio minimamente razoável. E, não tem jeito, o que funciona é a multa: se este tipo de punição for abolida no Japão ou na Noruega, em dez minutos os motoristas de lá vão virar brasileiros.