Ao se lançar contra um dos terroristas que atirava contra judeus reunidos numa praia australiana, o comerciante sírio Ahmed al Ahmed, mulçumano, deu uma lição para a humanidade, algo que deveria servir como uma espécie de guia para conflitos, não apenas os do Oriente Médio.
Com seu gesto, que colocou a própria vida em risco, Ahmed buscou salvar seres humanos como ele, como qualquer um de nós. Diferentemente dos autores do atentado, ele não discriminou, muito provavelmente sequer teve tempo para saber se os alvos eram judeus, árabes, australianos de origem anglo-saxã, brasileiros, argentinos, japoneses, angolanos. Agiu para salvar seus semelhantes, seus iguais.
Esse é ponto que precisa ser ressaltado. Ao promoverem o Holocausto, ao buscarem exterminar judeus (e, em menor escala, homossexuais, ciganos, socialistas), nazistas cometeram um atentado contra contra toda a humanidade. Todos, de alguma forma, mesmo os que não éramos nascidos, fomos vítimas dos campos de extermínio — a memória dessa tragédia seguirá tatuada em nossas mentes.
Da mesma forma que todos somos atingidos pelo massacre cometido por Israel na Palestina; mesmo quem aprova a barbárie carregará as marcas da injustiça, da desproporcionalidade, do absurdo que representa o ataque sistemático e cruel de um Estado a um povo.
O mesmo se aplica ao apartheid e a outras formas de racismo e preconceito que ainda persistem, que insistem em separar e hierarquizar seres humanos, em nos classificar, em nos separar, em ressaltar a inviabilidade de identificação e de empatia entre pessoas de origens, comportamentos ou ideologias diferentes.
Claro que não é possível ignorar fatores históricos, muitos deles, recentes, como os ataques assassinos do Hamas em 2023. Assim como palestinos convivem há décadas com a ocupação ilegal de seu território, com a imposição de medidas que restringem ou impedem o exercício pleno de sua cidadania.
É possível afirmar, sem muita chance de erro, que cada família israelense ou palestina tem uma tragédia próxima para contar, cicatrizes que ressaltam suas justas dores.
Mas aí é preciso voltar ao exemplo de Ahmed. Com seu gesto, ele ressaltou a existência de um sentimento de humanidade maior que o desespero causado pelos lados em conflito. Com sua coragem e solidariedade, ele revelou a insanidade de nos atrelarmos aos senhores que vivem da guerra, que dela precisam; governantes que precisam do conflito para se manterem no poder ou para conquistá-lo.
Ao partir para cima do terrorista, Ahmed nos indicou um caminho e uma possibilidade, por mais arriscada que sejam. Ele poderia ter corrido dali, fugido, chamado a polícia, não estava na linha de tiro.
Mas, desarmado, partiu para o conflito, sabia que tentar salvar tantas pessoas representava também a própria salvação — talvez não conseguisse mais dormir tranquilo caso tivesse feito o aparentemente óbvio e buscasse apenas livrar a própria pele.
Mostrou ali que a busca da paz também é conflituosa, gera riscos, tem capacidade de ferir e de matar quem procura atuar pelo fim de guerras e da injustiça. Mais do que soltar pombas brancas, perseguir a paz significa ultrapassar barreiras, vencer preconceitos e certezas. Ahmed, o mais novo herói da humanidade, revelou que há um caminho, e que é preciso coragem para segui-lo.