Por: Fernando Molica

Bandidos de terno matam mais

Desembargador Macário Ramos Júdice Neto foi preso por ordem do STF | Foto: Reprodução/Redes sociais

Para pegar o mote do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e de outros tantos políticos: se bandido que enfrenta a polícia com fuzil na mão tem que ser morto, o que fazer com magistrados e deputados que usam canetas de grosso calibre para ajudar facções criminosas? Estes também devem ser, digamos, neutralizados? O mesmo se aplicaria a policiais que são cúmplices de traficantes?

Como seria essa neutralização de togados, parlamentares e agentes policiais? Criminosos que usam toga, terno e uniformes não costumam receber policiais a tiros; sua linha de defesa não costuma ser formada por bandidos que atiram ao primeiro sinal de presença da polícia, mas por advogados armados de argumentos, habeas corpus e demais instrumentos garantidos — ainda bem — pelo Estado Democrático de Direito. O problema é que, no escurinho dos gabinetes, suas atitudes viabilizam matanças, estimulam a criminalidade, geram insegurança. Seus crachás matam mais que muitos fuzis.

É justo que desembargador Macário Ramos Judice Neto, preso ontem; o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Rodrigo Bacellar (União Brasil), e o ex-deputado TH Joias (ex-MDB) tenham todo o direito de defesa. Mas é injusto que seus supostos aliados no crime — aqueles que usam chinelos vagabundos e fuzis sofisticados nas favelas — não tenham muitas vezes possibilidade de recorrer às mesmas formalidades garantidas em lei.

Evidentemente que não é simples usar argumentos com criminosos que não vacilam em apertar o gatilho na direção de policiais. O problema é a banalização de operações que provocam conflitos a troco de praticamente nada: ou será que alguém acha que não há mais traficantes armados ou venda de drogas ilegais nos complexos do Alemão e da Penha ou em qualquer uma das favelas alvo, nos últimos cinco anos, de mais de cinco mil operações policiais?

Caso seja comprovado o envolvimento de Judice Neto, Bacellar e TH com o crime organizado, suas prisões terão sido mais relevantes para o enfrentamento do crime do que as sucessivas incursões que provocam desespero, fechamento de postos de saúde e escolas, bloqueio de vias expressas e muitas mortes — de criminosos, de inocentes, de policiais, de crianças.

Não para fugir do óbvio: é impossível que essas quadrilhas consigam tanto armamento e munição sem que haja cumplicidade com o aparelho estatal, não apenas com setores policiais. A venda de drogas e o modelo de conquista, domínio e manutenção de territórios exigem logística, esquemas bem azeitados de fornecimento de cocaína, maconha e munição.

O discurso do pega-mata-come serve apenas para iludir, gerar alguma sensação de segurança, mostrar serviço, forjar uma falsa eficiência no combate ao crime. A sucessão de batalhas travadas cotidianamente mostra o tamanho da inutilidade de um discurso que, com frequência, procura proteger criminosos de alto escalão. 

Por mais poderosos que sejam, fuzis não são páreo para canetas utilizadas na Justiça e no universo político. Estas matam muito mais, são responsáveis por tragédias, viabilizam e mantêm uma estrutura estatal comprometida com o crime. Pior são manuseadas por pessoas que costumam encher a boca para pregar o exertemínio de outros bandidos, os suspeitos pobres e pretos de sempre.