Por: Fernando Molica

O STF é supremo, não absoluto

Presidente do STF, Edson Fachin quer implantar um código de ética para integrantes da corte. | Foto: Antonio Augusto/STF

Ao definir que o Supremo Tribunal Federal tem o direito de errar por último, Ruy Barbosa (1849-1923) não concedeu a integrantes da corte o direito de errarem em causa em própria, de agirem como se estivessem acima dos princípios que regem o funcionalismo público.

A capa preta usada pelos ministros não pode ser encarada como um manto capaz de tornar invisíveis práticas incompatíveis como o exercício da magistratura, principalmente na mais alta corte do país. O Supremo não é absoluto.

A chegada ao STF tem que ser um fim em si mesmo, o atingimento do ápice de uma carreira, não pode sequer gerar desconfianças de que a toga seja uma espécie de biombo que viabilize atividades paralelas e lucrativas.

Estabelecida como teto do funcionalismo, a remuneração de ministros do STF - hoje, de R$ 46.366,19 - é bem alta para os padrões brasileiros, mas quase irrisória diante dos ganhos dos donos dos princípais escritórios de advogacia do país. Mas quem opta por ser ministro sabe disso.

A chegada ao STF ser um um processo de formação de networking. Isso tem que valer para os ministros e parentes. Ministros podem dar aulas, mas não deveriam poder ser sócios de faculdades e outras instituições de ensino, nem de qualquer outro negócio. Empresas que têm integrantes do STF no quadro de sócios, como nos casos de Gilmar Mendes e de André Mendonça, chegam, na prática, a desrespeitar a lógica da livre concorrência.

Parentes diretos de integrantes da corte, como pais, cônjuges e filhos, também não poderiam ser sócios ou funcionários de escritórios de advocacia que representem pessoas ou empresas que tenham processos no STF. Isso seria fundamental para impedir qualquer tipo de suspeição - por mais irresponsável e caluniosa que seja.

Não são razoáveis os casos das mulheres, respectivamente, dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, que advogaram para a J&F e para o Banco Master. Em 2023, Toffoli suspendeu multa de R$ 10,3 bilhões ao J&F; o escritório de Viviane Barci de Moraes, mulher do relator dos processos da tentativa golpista, recebia R$ 3,6 milhões mensais do Master.

Não se pode fazer qualquer ilação que sequer insinue uma relação entre os contratos das advogadas e eventuais decisões, pretéritas ou futuras, de seus maridos. Mas é do interesse do país que esse tipo de desconfiança possa existir, já que minam a credibilidade da própria instituição.

E aí vai outro não: ministros do STF não podem participar de eventos bancados por empresas, no Brasil e no exterior. Não podem aceitar favores como viagens em aviões particulares ou hospedagem em hotéis que exibem constelações de estrelas. Ninguém joga dinheiro fora, empresários que bancam tais eventos o fazem na expectativa de, pelo menos, angariar simpatias de quem tem o direito de errar por último.

Na ditadura, uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo nasceu clássica ao apontar para as mordomias da elite política federal; o fato gerou uma discussão que, aos poucos, estabeleceu critérios básicos para o comportamento de agentes públicos, do Executivo e do Legislativo. O Judiciário, com seu poder de mandar prender e de mandar soltar, até hoje resiste, insiste em chamar privilégio de direito. Presidente do STF, Edson Fachin enfrenta resistências internas para estabelecer um código de ética para a intituição - como como gosta de repetir Wander Pires, um dos maiores intérpretes das escolas de samba, a hora é essa.