Por: Fernando Molica

A lei Teresoca do Paulinho

Relator, o deputado propôs mudar a legislação para defender algo específico. | Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados

O relatório apresentado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) sequer disfarçou o objetivo de fazer uma lei sob medida para aliviar a barra de Jair Bolsonaro e de seus cúmplices condenados pela tentativa golpista.

Em tese, leis são feitas de maneira impessoal, representam algum grau de consenso na sociedade, têm o objetivo de gerar normas que durarão um bom tempo. Há casos também em que, ao serem aplicadas, algumas normas revelam-se imperfeitas, necessitam de ajustes — mas, isso, sempre respeitando princípios genéricos, não específicos. 

Paulinho, porém, foi sincero. Ao justificar a proposta de redução de penas, citou fatos contemporâneos, a polarização, a necessidade de remover obstáculos para "discussão das questões centrais sobre o futuro da Nação". Usou a conjuntura — algo passageiro — como muleta para justificar mudanças em questões de princípio, a legislação de defesa da democracia. Fez como Getúlio Vargas que, em sua ditadura, baixou um decreto para garantir que o magnata da imprensa Assis Chateaubriand pudesse ficar com a guarda de Teresa, sua filha. O decreto ficou conhecido como Lei Teresoca.

É comum — ainda que perigoso — que fatos escabrosos provoquem mudanças na legislação, a lei dos crimes hediondos surgiu assim. A recente falsificaçao de bebidas fez com que fosse desencavado um projeto que estava parado havia anos no Congresso.

O probelma é que, no caso especifico, o que está em jogo é algo muito maior, a própria democracia. Sem a garantia do Estado Democrático de Direito, nenhuma lei vale nada. Ditaduras torturam, matam, desaparecem com adversários, roubam; e nada acontece com quem comete tais crimes, porque não há como punir ditadores e seus asseclas. Daí que não dá para relativizar crimes contra a democracia.

Foi base nesse consenso que, em 1º de setembro de 2021 o então presidente Bolsonaro sancionou a lei que revogava a Lei de Segurança Nacional e acrescentava ao Código Penal artigos que puniam crimes contra o Estado Democrático de Direito. 

Na época, ele vetou alguns pontos aprovados pelo Congresso, como o que tratava de fake news, mas assinou a parte mais importante do projeto, inclusive a possibilidade de condenação por tentativa de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de Golpe de Estado: cada crime mereceu um artigo separado e penas específicas.

Na época, Bolsonaro não viu problema nenhum em validar os artigos. Nem ele nem seus quatro ministros que assinaram a lei, entre eles, três que também acabariam condenados com base no ajudaram a validar: Anderson Torres, Braga Netto e Augusto Heleno.

Nas suas justificativas, Paulinho cita que alguns ministros do Supremo Tribunal Federal consideraram sobrepostos artigos que puniam tentativa de abolição do Estado de Direito e Golpe de Estado. Esta posição foi minoritária, o que não impediria ser levada em conta numa eventual revisão da lei. Mas o problema não é esse, mas a relativização de preceitos legais a partir de um determinado contexto político-institucional. Ao usar casos específicos para justificar uma mudança de caráter amplo, Paulinho validou a lógica do jeitinho, amoleceu a história do dura lex sed lex.