Por: Fernando Molica

A canetada de Gilmar Mendes

Gilmar Mendes mudou processo de impeachment de ministros do STF | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Seria importante rever a lei que trata do impeachment de autoridades, torná-la mais clara e estabelecer mecanismos que diminuam a possibilidade de seu uso como uma forma de retaliação. Mas isso tem que ser discutido pela sociedade e decidido pelo Congresso Nacional, não definido em canetada de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Gilmar justificou sua decisão com base em questões conjunturais, o alto número de pedidos de impeachment de ministros do STF e a transformação do tema em bandeira eleitoral da oposição. Usou, ao arrepio do que se espera de um tribunal — ainda mais de uma corte constitucional — motivos passageiros para mudar princípios legais. Pior, invadiu competência do Poder Legislativo.

Até pelo processo de escolha de seus integrantes, o STF flerta com o mundo político. Uma paquera que, durante e depois da Lava Jato, teve consequências mais graves e profundas que simples troca de olhares. Basta conferir as idas e vindas de decisões relacionadas a Sérgio Moro e a Lula.

O próprio Gilmar teve um papel fundamental no impeachment de Dilma Rousseff ao determinar a saída de Lula do cargo de ministro da Casa Civil. Uma decisão baseada em uma ameaça de possibilidade, a suspeita de que a nomeação tivesse o objetivo de fazer com que processos contra ele saíssem de Moro e fossem para o STF.

Lula sequer havia sido denunciado, era um cidadão em pleno gozo de seus direitos políticos e foi defenestrado com base em uma desconfiança respaldada por uma gravação ilegal. A saída do petista do ministério privou Dilma da possibilidade de ter ao seu lado um negociador capaz de ao menos dificultar o processo de impeachment. 

Não deveria ser tão simples cassar o mandato de um governante eleito. Escaldado pelo Golpe de 1964, Leonel Brizola, então governador do Rio, pagou um preço político muito alto por ver com ressalvas o impeachment de Fernando Collor de Mello. 

O caso da petista foi ainda mais escandaloso; mais do que uma deposição, houve uma eleição indireta de um presidente, Michel Temer, que, como deixava claro em sua campanha contra a companheira de chapa, implantaria um programa de governo oposto ao escolhido nas urnas. 

Articulada de maneira aberta por bolsonaristas, a vingança contra o STF, em particular, contra Alexandre de Moraes, também é absurda. Não se pode obrigar o Judiciário a seguir os preceitos da política, um magistrado tem o direito e dever de respeitar os fatos, os ritos e a própria consciência.

É inegável que, até pela omissão de Augusto Aras, então procurador-geral da República, Moraes, em alguns momentos, ultrapassou limites, suas decisões, porém, foram respaldadas pela maioria dos colegas.

Mas, ao ignorar a lei e impedir que senadores julguem o impedimento de integrantes do STF, Gilmar apenas reforça as críticas ao excesso de poder do tribunal. Isto, na mesma semana que Dias Toffoli deu a cambalhota processual de puxar para si o caso do Banco Master e determinar sigilo absoluto dos autos.

Até para preservarem os próprios poderes, os ministros do STF deveriam ser mais cautelosos, até porque, no limite, cabe ao Congresso mudar a Constituição, tem poder para criar artigos capazes de complicar a vida do Judiciário.