Por: Fernando Molica

O braço do comando no poder

TH Joias e Rodrigo Bacellar, presidente da Alerj, eram próximos no parlamento | Foto: Reprodução/Redes sociais

A prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Rodrigo Bacellar (União Brasil), e as evidências que a embasaram mostram que não se trata de exagero, mimimi, blablablá ou lero-lero afirmar que, por mais cruéis que sejam, criminosos que dominam favelas são apenas a ponta de esquemas muito maiores e mais pesados. Estes não estariam onde estão nem teriam o poder que têm se não contassem com a proteção e cumplicidade de agentes estatais.

Bacellar foi preso por suspeita de colaborar com a fuga de um então deputado estadual, TH Joias, do MDB, acusado de negociar armas para o Comando Vermelho. Ele tem o direito de tentar provar sua inocência, mas o fato mostra de maneira evidente o tamanho do compromentimento do crime organizado com a cúpula de poderes  - o presidente do Poder Legislativo fluminense é suspeito de ser um braço de uma das principais organizações criminosas do país, a que manda nos complexos do Alemão e da Penha, alvos da megaoperação do dia 28 de outubro.

Políticos envolvidos com o crime costumam ser aqueles que, da boca e do bolso pra fora, mais condenam a bandidagem, a morte de traficantes, o endurecimento da legislação. TH Joias, agora ex-deputado (exercia o mandato na condição de suplente), adorava atacar a bandidagem, batia ponto em eventos com autoridades da área de segurança. Está preso desde o início de setembro.

Bacellar - que, vale repetir, por enquanto é apenas suspeito - não poupou elogios à megaoperação que deixou 122 mortos no Alemão e na Penha. Na época, afirmou que não se poderia recuar no combate ao crime organizado, defendeu uma legislação "mais dura e eficaz", que impedisse que "marginais sejam presos hoje e soltos amanhã".  Acrescentou que a busca de um Rio mais seguro não se constituia em "palanque político". 

Em agosto, ele apresentara um projeto de lei - que seria aprovado pela Alerj e sancionado pelo governador Cláudio Castro (PL) - chamado de Pacote de Enfrentamento ao Crime Violento. Um conjunto de artigos que incluía pontos constitucionalmente questionáveis, como a criação de um banco de imagens e dados para vigiar ex-detentos, e listava medidas que fazem a alegria dos políticos de direita que negam qualquer tipo de direitos humanos para bandidos.

O pacote inclui proibição de visitas íntimas para condenados por crimes hediondos, cobrança  parcial de despesas com alimentação, vestuário e higiene de presos capazes de arcar com tais despesas, internação minima de dois anos de adolescentes culpados por crimes praticados com violência ou grave ameaça.

Bacellar caprichou na perfumaria que faz a alegria do pessoal do "bandido bom é bandido morto", mas não tratou de evitar qualquer medida que fortalecesse mecanismos de inteligência, de integração, por exemplo, entre secretarias de Fazenda e de Segurança Pública. O presidente da Alerj mirou no bandido de sempre, o de carne mais barata e penas mais pesadas.

Caso as acusações contra ele sejam comprovadas, é preciso jogar na sua conta - e na conta de seus aliados - mortes de centenas de pessoas, entre elas, as dos cinco policiais que perderam a vida na operação de outubro. Estes agentes foram vítimas de armas e de munição que não subiram o morro sozinhas, foram, muitas vezes, levadas por outros integrantes da máquina do Estado, como aqueles seis policiais militares presos por furtarem fuzis.

A prisão de Bacellar abre uma oportunidade excepcional para que sejam investigados os mecanismos que permitem a expansão de organizações criminosas. Possibilita também a oportunidade para tantas pessoas, milhões, deixem de lado pensamentos simplistas que reduzem o combate à criminalidade ao extermínio dos bandidos visíveis, pretos e pobres, e que livra a cara de tanta gente. E, com alguma dose de ironia, desejar que seja cumprido uma pregação de Bacellar: tomara que bandidos do andar de cima não sejam presos hoje e soltos amanhã.