Por: Fernando Molica

O caldeirão de Bolsonaro

Ao longo da vida, Bolsonaro fez diversas declarações destemperadas | Foto: Arquivo/EBC

A quantidade de atitudes e declarações destrambelhadas cometidas por Jair Bolsonaro indica que ele, na infância, deve ter caído não num caldeirão de poção mágica gaulesa (caso do personagem Obelix), mas num cheio desses medicamentos que, afirma, são capazes de lhe gerar alucinações.

Em 1983, mesmo desaconselhado por superiores, o então tenente, segundo o relato do coronel Carlos Alberto Pellegrino, deu "mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de 'garimpo de ouro'".

Segundo o coronel, o subordinado acreditava em "lendas e histórias" sobre existência de ouro em várias partes do país, em "relatos fantasiosos sobre fortunas feitas da noite para o dia". Voltou "desiludido e frustrado" do garimpo. Para o oficial superior, Bolsonaro necessitava ser colocado em funções que exigisseme esforço e dedicação, a fim de "reorientar sua carreira".

Ao depor no Conselho de Justificação que analisou a acusação de que Bolsonaro tramara um plano de explodir bombas em quartéis para protestar contra baixos salários, o coronel Pellegrino citou que o capitão era repelido por oficiais subalternos que tentava liderar. Isto, pelo "tratamento agressivo" dispensado aos colegas e pela "falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos". (Os trechos acima foram retirados do livro "O cadete", de Luiz Maklouf Carvalho.)

Condenado pelo Conselho e depois absolvido pelo Superior Tribunal Militar, Bolsonaro teve que deixar o Exército, e, na vida política, passou a acumular polêmicas — chegou a ser proibido de entrar em quartéis. Em 1992, chamou o ministro do Exército, Carlos Tinoco, de "banana, palhaço e covarde". Na sequência, usou o próprio carro para bloquear a entrada da Academia Militar das Agulhas Negras, onde estudara. O automóvel foi rebocado, com o deputado sentado em seu capô.

Para compensar a inexpressividade de seu mandato, Bolsonaro cavou situações que gerassem indignação e aplausos. Ironizou parentes de desaparecidos políticos ao colocar na porta de seu gabinete, cartaz que os comparava a cachorros (que, frisou, gostam de ossos), disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia, pregou o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso, exaltou um torturador ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff. Candidato a presidente, sugeriu fuzilar a "petralhada".

No Planalto, sabotou medidas de isolamento que ajudavam a evitar a propagação da covid 19, fez propaganda de remédio que não fazia efeito contra a doença, mostrou caixa de cloroquina para uma ema, afirmou que não era coveiro ao responder pergunta sobre os mortos na pandemia. Fez sucessivas ameaças de virada de mesa institucional e relatou o dia em que conheceu adolescentes venezuelanas: disse que tinha "pintado um clima". 

Não se cansou de ofender ministros do Supremo Tribunal Federal, entre eles, Alexandre de Moraes ("canalha", "vagabundo") e Luís Roberto Barroso ("imbecil", "idiota", "fdp", "mentiroso", "sem caráter", "picopata"). Muitas de suas falas geraram processos judiciais e algumas condenações (entre eles, por ofensas à jornalista Patrícia Campos Mello e por racismo — comparou cabelos de negros a "criatórios de baratas"). 

Em todos esses casos e em tantos outros, Bolsonaro não alegou estar sob influência de produtos químicos. Fez isso em 2023 para justificar o fato de ter repostado, dois dias depois do 8 de Janeiro, mentiras sobre a urna eletrônica e no domingo passado, ao tratar dos danos à tornozeleira eletrônica. As justificativas procuravam diminuir as consequências judiciais dos gestos. Em tese, em todos os demais episódios, ele não estava sob efeito de nenhuma droga medicinal. A menos, claro, que ele tenha caído no tal caldeirão.