Por: POR FERNANDO MOLICA

CORREIO BASTIDORES | 'É preciso rastrear a munição dos criminosos'

Para Rangel, a origem dos cartuchos é fundamental | Foto: Alesp/Divulgaçao

Ex-consultor do Escritório de Armas e Crimes da ONU, o sociólogo Antônio Rangel Bandeira lamenta que as discussões sobre a criminalidade tendam a minimizar algo fundamental, o fluxo de munições.

Frisa que mesmo no caso da megaoperação nos complexos de favelas do Alemão e da Penha pouco se fala na necessidade de apurar as origens dos cartuchos usados por integrantes do Comando Vermelho. Informação essencial até para que seja desvendada a logística que abastece as quadrilhas.

"Todo mundo fala nas armas, mas pouco se comenta sobre a munição. Fuzil sem bala não serve para nada", destaca. Para ele, esse menosprezo tem a ver com ignorância, mas também com interesse.

 

Desmarcados

Diz haver uma resistência muito grande em se criar mecanismos que ampliem o controle de munição, mercado que movimenta mais dinheiro do que o de armas. No Brasil, apenas cerca de 23% dos cartuchos são marcados, os vendidos para Forças Armadas e polícias.

Lobby

Ou seja, a munição vendida legalmente para cidadãos comuns não recebe qualquer tipo de marcação, o que impede seu rastreamento. Segundo ele, o lobby contra o controle de munição é "violentíssimo", o que dificulta a adoção de medidas mais efetivas.

Lotes numerados deveriam ser menores, adverte

Juíza Patrícia Acioli, assassinada por PMs em 2011 | Foto: Reprodução redes sociais

Pelas normas brasileiras, a marcação ocorre a cada lote de dez mil cartuchos — todos recebem a mesma numeração. Rangel, porém, considera este número muito alto, afirma que o melhor seria limitar esses lotes a cinco mil ou mesmo de três mil unidades.

Ressalta que a numeração a cada bloco de dez mil dificulta a identificação de cartuchos distribuídos por uma secretaria de Segurança a diversas delegacias. Lembra que o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011, só resolvido graças ao rastreamento das balas usadas no crime — todas tinham faziam parte de um lote entregue a um batalhão da Polícia Militar.

Marielle

Rangel lembra que a excessiva quantidade de cartuchos com a mesma identificação é que impediu um rastreamento mais efetivo da munição utilizada no assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018. As balas tinham sido compradas pela Polícia Federal.

Made in Brazil

Ele aponta um outro dado: um levantamento feito pela Polícia Civil do Rio concluiu que 85% da munição utilizada por traficantes de drogas havia sido fabricada no Brasil; portanto seria mais facilmente controlável se houvesse normas mais rígidas.

Raposa

Mas, destaca, não dá nem pra dizer que há respeito à norma de marcação de cada lote de dez mil cartuchos. Isto porque o Exército repassou para a Companhia Brasileira de Cartuchos, fabricante quase monopolista, a tarefa de ficalizar a identificação que faz.

Cultura

Rangel, autor do livro "Armas para quê?", afirma ser muito ruim que não haja, nas polícias, uma cultura de identificação e de rastreamento da munição usada por criminosos "Seria mais fácil apreender cartuchos usados no Alemão do que armas", exemplifica.