Por: Fernando Molica

O projeto e as facções na Câmara

Deputados comemoram a aprovação do projeto antifacção | Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Na ânsia de derrotarem o governo e de surfarem na onda de soluções simplórias para o complexo tema da violência, deputados aprovaram um substitutivo de projeto de lei contra facções que poderá mandar alguns deles para a cadeia. A caracterização desse tipo de organização criminosa tem como enquadrar grupos que atuam no Congresso.

O texto aprovado, de autoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), pega pesado com grupos que se utilizem de "grave ameaça ou coação para impor controle territorial ou social, intimidar populações ou autoridades". Não seria difícil incluir no conceito de grave ameaça as pressões feitas por parlamentares contra o Poder Executivo para aprovarem este ou aquele projeto.  

Ao definirem penas muito duras para casos de "infiltração no setor público ou atuação direta ou indireta na administração de serviços públicos ou em contratos governamentais", suas excelências devem ter tirado o sono de muita gente que ocupa cargos da Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, destino preferido de emendas que erguem e sustentam torres da corrupção brasileira. 

Também não seria difícil enquadrar como resultado de "grave ameaça" e de "atuação direta ou indireta na administração de serviços públicos ou em contratos governamentais" a pressão exercida sobre dois gerente da Caixa Asset para que aprovassem a compra de papéis micados do Banco Master. Ao se negarem, os dois perderam seus cargos: a direção da Caixa foi entregue a indicados por um consórcio de integrantes do Centrão.

Logo de cara, o projeto aprovado por larga maioria criminaliza aquele bloqueio da Mesa da Câmara feito por parlamentares do PL que queriam apressar a anistia. O projeto, que agora será examinado pelo Senado, considera crime "restringir, limitar, obstaculizar ou dificultar, ainda que de modo temporário, a livre circulação de pessoas, bens e serviços, públicos ou privados, sem motivação legítima reconhecida pelo ordenamento jurídico". Ou seja, miraram nas  ocupações feitas pelo MST, mas botaram os próprios pescoços na reta.

É fundamental criar mecanismos para coibir organizações cada vez mais sofisticadas, excelente também que, talvez de forma involuntária, o projeto dê margem para processar e punir agentes públicos — políticos, policiais, magistrados — que se valem de seu poder para sequestrar o Estado, para impor seus interesses por meio de pressões indevidas, as tais graves ameaças. 

A revisão de pontos da progressão penal também é necessária, chega a ser ofensivo que condenados por crimes graves possam deixar o regime fechado depois de cumprido um sexto da pena; mas é irônico aumentar o rigor quando, na outra ponta, deputados discutem um jeito de diminuir a pena dos que atentaram contra o maior dos nossos bens coletivos, a democracia, base de todos os direitos.

Mas a ânsia punitiva também dá margem para exageros, como o agravamento das punições para integrantes de organizações criminosas. Estabelecida de maneira genérica, punirá não apenas os chefes dessas quadrilhas, mas também jovens envolvidos com o tráfico, muitas vezes encarregados de tarefas que sequer exigem o uso de armas.

São, de um modo geral, pessoas pobres que tiveram poucas oportunidades na vida e foram vítimas de racismo — OK, isso não é motivo para perdoar seus crimes, mas cabe ao legislador ter o cuidado para não cometer o erro de pesar excessivamente a mão e assim impedir qualquer projeto de reinserção social. A política está cheia de exemplos de gente que foi condenada, cumpriu pena e conseguiu voltar para a vida institucional. Não seria justo impedir que outros brasileiros, que ganharam muito menos com o crime, tenham a mesma chance.