Por: Fernando Molica

Segurança é questão política

Igreja de Nossa Senhora da Penha e morros dos complexos do Alemão e da Penha | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Não há nada errado em se politizar a segurança pública: como outros aspectos da vida da sociedade — saúde, educação, moradia, transporte — o tema é político, tem que ser encarado a partir de pressupostos amplos, que expressem visões de mundo de cidadãos e governos.

O problema não é com a política vista de maneira abrangente, mas com o uso da máquina pública em benefício de interesses de políticos. É o que permite a deputados indicarem aliados para o comando de batalhões da Polícia Militar ou de delegacias. Esse tipo de prática não deveria ser encarado como algo político, mas como um desvio de função, uma espécie de passaporte para o caos.

Com o perdão da redundância, cabe aos políticos — pessoas escolhidas pelos eleitores — definirem políticas públicas para a segurança, estabelecerem prioridades, metas, objetivos a serem alcançados ao longo do tempo. Providências que, se encaradas de maneira séria, vão muito além da questão polícial. Foi o que foi feito, por exemplo, em Bogotá e Medellín, na Colômbia.

Além de uma profunda reforma no aparelho policial, as medidas incluíram melhorias no transporte, que facilitaram a vida da população mais pobre, criação de postos de saúde e escolas, implantação de linhas de crédito que financiaram novos empreendedores, abertura de bibliotecas-parque nas periferias, estimulo ao lazer e à produção e consumo de bens culturais.

Como insiste Jorge Melguizo, ex-secretário de Cultura Cidadã e de Desenvolvimento Social de Medellín, a cidade definiu que o contrário da insegurança não é segurança, é convivência". Isso, repetiu várias vezes, se constrói com investimento em projetos sociais, educativos e culturais. Ou seja, a questão fundamental não foi matar bandidos, mas investir na cidadania, impedir que levas e levas de jovens continuassem a ser atraídos pela criminalidade.

O que ocorreu por lá — um país vizinho, latino-americano, com tantos problemas semelhantes aos nossos — foi uma decisão política, de caráter amplo e institucional. A Colômbia era marcada pela ação de cartéis internacionais de droga e pelos embates com grupos guerrilheiros, e entre estes e os paramilitares. A tragédia parecia não ter fim.

(Em 1998, estive por lá para fazer uma reportagem. A ameaça ao Estado nacional era imensa. O governo cedera uma parte de seu território para as Farcs, principal grupo guerrilheiro. A área guerrilheira correspondia ao tamanho do Estado do Rio. No caminho para San Vicente de Caguán, a capital dos rebeldes, nossa equipe foi parada por blitzes feitas pelo exército e pelos guerrilheiros.)

O tamanho da destruição que ameaçava a existência do país certamente colaborou para a adoção de políticas mais amplas, menos voltadas para interesses específicos, decisões que iam além do senso comum de que o extermínio é a única saída para a busca de segurança pública.

Os milhares de brasileiros envolvidos em atividades criminosas são, antes de tudo, brasileiros. Pessoas que, em determinado momento de suas vidas —  muitas vezes, na adolescência — avaliaram o futuro que tinham pela frente e acharam que não valia a pena insistir na vida dentro da legalidade.

Num Brasil em que filho de pobre tende a continuar pobre (isso vale também para os ricos), em que a miséria e a prosperidade são quase hereditárias, é possível entender a opção de tantos garotos (o que não significa negar seus crimes — compreender é bem diferente de perdoar). 

Não é razoável que o país continue achar normal que tantos jovens optem pela vida bandida; não podemos continuar a temer meninos de 12 ou de 13 anos. É preciso reconhecer que a exclusão sistemática como a que se pratica por aqui há mais de 500 anos é também criminosa, e precisa ser interrompida.