Rever "Annie Hall", de Woody Allen, quase cinquenta anos depois de seu lançamento nos faz sentir um pouco como no voo incerto daquela bolinha que percorre a quadra no final de "Ponto final - Match point". Sabe-se lá onde é que ela vai cair.
Impasse que ficou ainda mais grave a partir da morte da de Diane Keaton, a atriz que encarna a protagonista, personagem por quem quase todos nós nos apaixonamos — ela tinha a cabeça cheia de problemas, não importava, gostávamos mesmo assim.
A constatação de que o longa tem quase meio século chega a ser contraditória com a própria modernidade que ele transmite, uma leitura ao mesmo tempo engraçada e cruel dos impasses tão presentes nos anos 1970 e que, com outras versões, continuam a existir.
"Annie Hall" (o título brasileiro do filme é impublicável) marcou uma virada na carreira de Allen. Foi como se praticamente todos os muitos que vieram a seguir fossem uma variação dos temas principais da hoje quase cinquentenária obra-prima.
Como se o diretor, clarinetista e amante do jazz passasse, desde então, a improvisar sobre uma mesma canção que tratava de impasses amorosos e políticos, angústias profissionais, dificuldades de amadurecimento, impasses intelectuais, perspectiva de velhice, desorientação quanto a papéis masculinos e femininos — o colete e a gravata usados por Annie reforçavam o quanto aparências enganam.
Nos filmes posteriores, Allen ora buscava a mesma alternância entre humor e drama — mais precisamente, uma combinação entre os dois elementos, como no também espetacular "Manhattan" —, ora privilegiava um elemento ou outro. Mas tudo parecia derivado de "Annie Hall", daí aquela impressão de que todos os filmes pós-1977 são quase capítulos de um seriado.
Em alguns deles, o cineasta reforçava os tons sombrios que remetiam ao ídolo Ingmar Bergman, como "Interiores" e "Setembro"; em outros, focava na comédia, casos de "Tiros na Broadway", "A Rosa Púrpura do Cairo" e, de certa forma, "Zelig". De vez em quando, como em "Meia-noite em Paris" e "Vicky Cristina Barcelona", recuperava a pegada de "Annie Hall", e tome de convivência entre gargalhadas e lágrimas da plateia.
Em seus filmes, Allen ressalta que, como no caso de qualquer um de nós, vilões e mocinhos podem existir num mesmo personagem. Deixa claro para o espectador que são provisórios os finais felizes que encerram algumas de suas obras: haverá novas alegrias e tristezas, na tela e fora dela, depois daqueles créditos sóbrios, elegantes e belos como só a combinação de preto e branco é capaz de produzir.
Aos 89 anos, ele permanece produtivo e provocador. Repete em seus filmes motes que celebrizou em "Annie Hall" e que brincam com nossos cotidianos becos sem saída. Em um deles frisa que a vida, como a comida de um determinado resort, é ruim, mas bem que poderia ser servida em maior quantidade. O outro é a história do sujeito que reclama de o irmão achar que é uma galinha — dir não o corrigir porque precisa dos ovos que ele põe. Um autoengano que remete às armadilhas do amor.