Por: Fernando Molica

O desafio de Boulos

Boulos e Lula: a descoberta da nova classe trabalhadora | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos (Psol) tem o desafio de dialogar com uma categoria de trabalhadores muito diferente daquelas que ele e o presidente Lula (PT) conheceram em suas trajetórias.

Ao justificar a escolha do deputado para o cargo, Lula ressaltou que a ele entregara a tarefa de lidar com movimentos sociais. O problema é que, nos últimos anos, mudanças na lógica do trabalho, na área sindical e na própria percepção política de boa parte da sociedade reconfiguraram de maneira radical esse universo. 

A própria definição de movimento social parece inexata para enquadrar uma nova classe trabalhadora que não tem carteira assinada — e, muitas vez, sequer deseja ostentar o documento que representou inserção social e, mesmo, política.

Em entrevista à Globonews, Boulos ressaltou o objetivo de estabelecer conversas com essa "nova classe trabalhadora", tão representada pelos que prestam serviços a aplicativos, essas empresas gigantescas que conseguiram estabelecer uma relação em que transferem para terceiros a obrigação de adquirem até o mesmo os instrumentos necessários para a execução de tarefas.

Não vai ser tão simples. A tentativa de regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativos mostrou o tamanho do buraco entre expectativas de um governo de viés social-democrata com as dos homens e mulheres que ralam doze horas por dia ao volante. Eles rejeitaram qualquer possibilidade de contribuição, por menor que fosse, para a Previdência Social, viram na proposta mais uma tunga por parte do Estado.

Lula e Boulos são frutos de momentos políticos em que parcela importante dos trabalhadores acreditava na luta coletiva como principal caminho de ascensão social. Uma perspectiva que acabou substituída pela busca de progresso individual.

Mudança que se reflete até no campo religioso: mesmo na Igreja Católica, as antigas Comunidades Eclesiais de Base, de perspectiva coletivista, perderam espaço para movimentos que, inspirados na experiência de igrejas evangélicas, trabalham com a ideia de salvação individual, cada um que lute para chegar ao céu da prosperidade.

Alterações tão radicais que comprometeram até a imagem positiva que havia sido conquistada, por exemplo, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A ideia de reforma agrária parece sido escanteada do imaginário social, atropelada pelo sonho de riqueza representado pelo agronegócio. 

O fim abrupto do imposto sindical aprovado no governo Michel Temer foi decisivo para esvaziar de vez as entidades representativas de trabalhadores, mas  é inegável que mesmo antes de mais esse golpe, essas formas de organização já caducavam, até pelas mudanças no trabalho e nas perspectivas de quem pega no pesado.

Ligado à história do novo ministro, o MTST, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, não consegue se desvencilhar da ideia de que não passa de uma articulação voltada para invadir propriedades privadas, e não para viabilizar moradias para ocupar áreas e prédios públicos abandonados. 

Governos petistas também têm sua dose de responsabilidade nesse processo de esvaziamento, a começar pela cooptação de movimentos sociais a partir do primeiro governo Lula. Uma lição aprendida e replicada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que seduziu e levou para a máquina oficial estruturas criadas de forma independente.

A esquerda tem o direito de apontar fragilidades num modelo que privilegia o individualismo. Mas o próprio governo demonstra rendição ao apostar em programa de financimento de motocicletas para jovens que queiram arriscar suas vidas, uma espécie de Minha Moto, Minha Morte.