A possibilidade de ministros do Supremo Tribunal Federal trocarem de turmas permite que eles escolham boa parte dos processos que querem julgar, um mecanismo que, no limite, atenta contra o princípio do juiz natural.
Como mostrou ontem a coluna Correio Bastidores, a provável ida de Luiz Fux para a Segunda Turma fará com que ele seja um dos encarregados de julgar casos de altos teores políticos, como o que investiga fraudes em convênios firmados com o INSS e o que apura desvio de verbas na aplicação de recursos de emendas parlamentares.
Há ainda a possibilidade de ele tentar levar para a sua nova turma recurso do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a decretação de sua inegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral. Fux herdou a relatoria do caso depois que o ministro sorteado, Cristiano Zanin, declarou-se suspeito para votar — ele, afinal, foi durante anos advogado do presidente Lula.
A eventual ida do caso para a Segunda Turma ampliaria em muito as chances de o STF anular a decisão do TSE. Afinal, Fux votou pela absolvição do ex-presidente e, dos outros quatro integrantes do colegiado, dois — André Mendonça e Nunes Marques — foram indicados por Bolsonaro. Ambos têm demonstrado fidelidade àquele que os levou para a suprema corte.
Com exceção dos casos que devem ser julgados pelo plenário — por exemplo, crimes atribuídos ao presidente da República —, os processos vão para uma turma ou para outra dependendo de quem tenha sido sorteado para relatá-los. O relator, assim, carrega para o colegiado os casos que lhe cabem.
A possibilidade de troca de turma — e Fux não é o primeiro a pedir esse tipo de mudança — é ruim para a credibilidade do tribunal. Afinal, pode subverter a lógica da imparcialidade e tem capacidade de alterar a correlação de forças numa corte contaminada pelo viés político a partir do processo de escolha, aprovação e nomeação de seus integrantes.
A história recente mostra que ministros nem sempre têm uma relação de obediência em relação aos presidentes que os escolhem; a atuação, no Mensalão, de Joaquim Barbosa, nomeado por Lula, é um bom exemplo disso. Em maio de 2018, os cinco integrantes da Segunda Turma negaram a liberdade do hoje presidnete da República, três deles haviam sido indicados em governos petistas. Fux chegou ao ao STF graças a Dilma Rousseff.
Mas a radicalização e a partidarização que marcaram a Lava Jato e a polarização política consolidada a partir da campanha eleitoral de 2018 tiveram consequências evidentes no STF: Bolsonaro e Lula não escolheram apenas juristas que pensam de maneira parecida com eles, trataram de nomear pessoas que lhe seriam fiéis, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na pobreza ou na riqueza.
Isso contribuiu para desvirtuar o STF, gerar a formação de bancadas e fomentar ainda mais a politização do que se passa por lá. Não dá para especular as razões que levaram Fux a pedir para trocar de colegiado — o regimento não o obriga a justificar sua decisão —, mas é inegável que, na Segunda Turma, sua presença tende a garantir maioria a teses que hoje são abraçadas por uma minoria de integrantes da corte.
A situação dá margem para outro movimento de características políticas. Para evitar a nova configuração da Segunda Turma, a ministra Cármen Lúcia também poderia reinvindicar sua ida para lá, seu antigo ninho. Como é mais antiga na Corte que Fux, seu pedido teria preferência.
Resolvida a nova questão, o melhor seria o STF criar uma espécie de cláusula de barreira para acabar com esse ir e vir de ministros, algo que só contribui para desgastar a corte e ampliar sua contaminação pelos quase nunca retos caminhos da política.