Por: Fernando Molica

Ao radicalizar, governo mostra força e fraqueza

Gleisi e a lógica do "pior que tá, não fica". | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A decisão do governo de demitir indicados por deputados infiéis foi uma demonstração de força mas também de fraqueza. Houve o reconhecimento de que tem uma base instável e nada confiável, formada por políticos que vão para ou para o outro dependendo da direção dos ventos e dos seus interesses — e não há muito mais a fazer em relação a isso.

O Planalto sabe que, depois da experiência de governar o país durante boa parte do mandato de Jair Bolsonaro, o Centrão ficou ainda mais guloso, passou a pensar alto.

Foi-se o tempo em que esse grupo heterogêneo de partidos e de políticos se contentava com um papel secundário; como no título de uma velha peça de teatro de revista, eles querem é poder.

Em entrevista ao jornal O Globo, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse que não daria para temer uma vingança dos parlamentares que tiveram seus indicados demitidos: "Mas o que eles vão fazer além de votar contra o governo como já estão votando?", questionou, numa releitura do "Pior que tá, não fica", mote do deputado Tiririca (PL-SP).

Mas, política experiente, ela sabe que tudo pode sempre piorar; a retaliação ordenada pelo Planalto tem capacidade de reduzir o que resta de boa vontade numa base assentada sobre o pântano do toma lá, dá cá. Ainda mais diante da perspectiva de lançamento de algum candidato competitivo da direita para a eleição presidencial de 2026.

O governo, porém, avalia que vale a pena usar seu bom momento e as trapalhadas e brigas internas da oposição para delimitar um espaço e tentar avançar. É dissesse para o Centrão algo como "Quer ir, vai, mas veja só como estão as coisas por lá" — alerta que inclui a condenação de Bolsonaro, os ataques de seu filho Eduardo, a bateção generalizada de cabeças.

No momento seguinte, o Planalto mostria o próprio quintal, florido com a recuperação da popularidade de Lula e seu favoritismo para 2026, a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, a "indústria petroquímica" entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos. 

Não há qualquer certeza de que estimular o jogo na base do pegar ou largar vai dar certo. As rusgas com deputados aumentam o saldo devedor do Planalto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que diariamente atualiza o tamanho do seu crédito.

Ontem, Lula ainda deu palanque para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), referência nessa história de andar para um lado e para o outro — o presidente mostrou que quer fazer novos  e bons amigos e que seu coração e o Diário Oficial ainda têm muitos espaços para serem preenchidos.

Cria do movimento sindical, o petista sabe a importância de negociar. Acredita que boa parte do Centrão vai se render e aceitar que é melhor construir um acordo razoável com o governo do que correr o risco de naufragar no barco da oposição.

Ao individualizar comportamentos de deputados, o governo reconhece o óbvio: no sistema político brasileiro, a maioria dos parlamentares atua como se fosse um partido, atua de acordo com seus próprios interesses. Até porque, com as óbvias exceções à esquerda e à direita, as legendas não representam ideologias, não têm qualquer compromisso programático. 

Não adianta muito, portanto, fazer acordos e distribuir cargos para partidos que não conseguem e/ou não querem entregar todos os seus votos no Congresso. O que vale é investir em cada deputado e senador, rezar a oração que o patrono do Centrão, o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, surrupiou do altar de São Francisco de Assis, a do é dando que se recebe. A salvação, ensina o cristianismo, é individual.