Radicalizada na Lava Jato, a politização do Supremo Tribunal Federal evoluiu para um processo de partidarização. Não se trata mais de um presidente nomear um ministro mais ou menos progressista ou conservador, mas, como na música de Roberto Carlos, escolher um amigo fiel, irmão camarada.
A influência da política no Judiciário faz parte do jogo, a partir da segunda instância, magistrados são escolhidos pelos governadores ou pelo presidente da República — seria ilusório pensar que não haveria influência de fatores menos jurídicos.
É até razoável que a preferência do eleitor por um presidente à esquerda ou à direita se reflita na composição de tribunais superiores, isso, em tese, espelha uma corrente majoritária de opinião em um determinado momento histórico.
Entre a primeira posse do presidente Lula e até o impeachment de Dilma Rousseff, o STF recebeu uma leva de ministros mais identificados com o chamado pensamento progressista, ainda não fossem necessariamente de esquerda. O critério do notório saber jurídico ainda era tido como decisivo, mesmo que os candidatos à vaga precisassem se esforçar para conseguir a indicação e a aprovação pelo Senado.
A lista inclui Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki e Luiz Fachin — a escolha deste chegou a ser questionada por suas supostas ligações com o MST. Nenhum deles pode ser apontado como militante de esquerda.
A situação começou a ficar mais complicada quando, relator do Mensalão, Barbosa, tido como simpatizante do PT, não poupou integrantes do partido. A história piorou durante a Lava Jato, quando o STF, embalado pelas ruas, legitimou as pedaladas processuais da dupla Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.
Foi quando Gilmar Mendes, advogado-geral da União no governo Fernando Herinque Cardoso, abriu as portas para o afastamento de Dilma ao, com base em suposições oriundas de uma gravação ilegal, defenestrar Lula da Casa Civil.
Escaldado, Michel Temer levou Alexandre de Moraes — seu amigo havia 20 anos — para a corte. Jair Bolsonaro veio em seguida e tratou de nomear dois ministros terrivelmente bolsonaristas; na mesma linha, Lula entregou as togas mais valiosas da República para seu advogado e para um aliado. A fidelidade ao presidente virou o quesito principal para o cargo.
A partidarização das cadeiras levou a uma banalização da suprema corte brasileira, fez com que votos dos ministros ficassem previsíveis. Seria razoável esperar que ministros indicados por petistas tivessem visões mais progressistas sobre temas ligados ao comportamento: nos últimos anos, o STF tratou de temas que legitimaram conquistas sociais, como as relacionadas ao racismo e à homossexualidade. Da mesma forma que se poderia esperar posições mais conservadoras dos nomeados por Bolsonaro.
O problema é que essa tendência se espalhou também para questões mais específicas, como no caso do julgamento dos responsáveis pela tentativa de golpe: os votos foram praticamente previsíveis, com a exceção de Luiz Fux, que mudou de posição. O fato de um ministro ser mais de esquerda ou de direita não deveria ser determinante para que ele avaliasse a existência ou não de um crime.
O roteiro deve ser mantido agora por Lula, o advogado-geral da União, Jorge Messias — o "Bessias", protagonista da tal gravação ilegal de 2016 — deve ser indicado para a vaga de Barroso. Lula, que ficou preso graças a um processo que acabaria anulado, não quer arriscar: tende a sacramentar o processo que transformou o plenário do STF numa extensão do ministério comandado pelo presidente da República.