Por: Fernando Molica

Bolsonaro tocou desunir

Bolsonaro complica escolha de candidato da direita | Foto: Antônio Augusto/STF

A bateção de cabeça da direita em torno da sucessão presidencial é consequência direta da atuação de Jair Bolsonaro, que, como sempre fez ao longo de sua carreira, só consegue conjugar a política na primeira pessoa — preferencialmente, na do singular.

O ex-presidente se apresenta como quadro da direita, mas é um representante do próprio bolsonarismo, que fundou e que, se depender dele, terá prazo limitado de validade, sequer será prorrogado por seus filhos.

A principal característica do bolsonarismo não é um comprometimento com teses conservadoras de viés econômico, o ex-presidente só passou a rezar por essa cartilha quando foi induzido a abastecer sua candidatura no posto Paulo Guedes. Mas o combustível recebido não foi suficiente para encher seu tanque com princípios liberais.

Sua adesão à direita se deu, principalmente, por sua fixação em princípios morais, religiosos e de comportamento, não por conversão à lógica do livre mercado — vale lembrar que ele propôs o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso por sua decisão de privatizar a Vale.

Bolsonaro não é um quadro da direita, mas um defensor do autoritarismo, amplo, geral e irrestrito. Defende a ditadura brasileira como defenderia a soviética caso tivesse nascido no leste europeu durante a guerra fria.

Como deputado, rasgou elogios ao direitista peruano Alberto Fujimori e ao esquerdista Hugo Chávez, ambos viraram as instituições de cabeça pra baixo, golpearam o Legislativo e o Judiciário.

O ex-presidente é um representante de si mesmo, incapaz de gerar um movimento político que vá além dos chavões em torno de comportamento sexual, Deus e pátria. A bajulação aos Estados Unidos mostrou que nem mesmo este último item representa uma cláusula pétrea na constituição bolsonarista. 

Como presidente, Bolsonaro foi incapaz de sequer defender políticas amplas nos diversos campos da administração pública; não escondia seu desconforto ao participar de fóruns internacionais, não interagia com outros chefes de Estado, sua frase mais marcante numa dessas ocasiões foi o "I love you" que mandou para Donald Trump.

Autocentrado que não consegue estabelecer princípios capazes de traçar o perfil de um candidato presidencial. Diante do espelho, só consegue ver o próprio rosto como resposta à pergunta sobre quem deve apoiar. Quer apenas compromissos ligados a ele, em particular, uma anistia ou indulto.

Líderes carismáticos tendem a se apaixonar por si, mas é possível prever que Lula, quando enfim pendurar a faixa presidencial, abençoará políticos que sigam princípios gerais do PT, da centro-esquerda, questões que tratam de economia, educação, saúde, habitação, cidadania, emprego e renda. Ninguém é obrigado a concordar com o bê-a-bá petista, mas é inegável que ele existe. Seria difícil arrancar de Bolsonaro propostas para os mesmos temas.

A menos de um ano para o primeiro turno da eleição de 2026, o ex-presidente, dono de uma considerável quantidade de votos, bagunçou o coreto dos que sonham pegar carona em sua popularidade. Por não se mover por princípios gerais, avalia eventuais candidatos principalmente sob o prisma da fidelidade.

Beneficiários diretos da guinada à direita promovida pelo ex-presidente, aliados ficam perdidos entre a adesão ao bolsonarismo e a construção de um perfil menos subserviente. Enquanto esperam a decisão do oráculo, brigam entre si, sabotam a possibilidade de construção de um caminho mais ou menos pavimentado para uma candidatura de direita.

Como fez durante seu mandato, o ex-capitão estimula o conflito. Sentado no Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio de Freitas observa — e, na dúvida, pede mais uma coca-cola, com gelo e sem metanol, por favor.