Por: Fernando Molica

Mudança no imposto de renda aponta para o óbvio

Sessão da Câmara que aprovou mudanças no imposto de renda | Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

A aprovação pela Câmara do projeto que elimina ou alivia o imposto de renda dos que recebem até R$ 7.350 e aumenta a taxação dos mais ricos surpreende pela ousadia de fazer algo na direção do óbvio: em qualquer lugar minimamente civilizado, quem ganha mais paga percentualmente mais impostos.

Isso vale para todos os países que tanto admiramos, que sonhamos conhecer. Locais onde geralmente há mais segurança, educação, transporte público e saúde (neste quesito, os Estados Unidos ficam para trás, vale ressaltar).

A lógica do imposto mais justo é chamada de progressiva, morde mais os privilegiados que, assim, contribuem de maneira mais efetiva para a melhoria das condições da sociedade onde vivem e trabalham.

Algo que, no limite, é bom para o próprio pagador, que passa a desfrutar de um lugar melhor (é só imaginar o gasto extra que temos com serviços privados de saúde, segurança, educação e transporte).

A nossa sociedade foi criada com base na exploração feita por outro país e assentado no trabalho escravo — ao longo do tempo, a legislação procurou garantir que nada fosse mudado. Daí que chegamos ao ponto de quem ganha hoje acima de R$ 4.664,68 seja punido com um desconto de 27,5% em seu salário.

Já empresários — ou contratados como pessoas jurídicas — têm isenção de retiradas feitas sob a forma de dividendos. Suas empresas pagam impostos, mas a mordida é bem menor em relação aos assalariados.

O peso dos impostos sobre consumo torna ainda mais evidente a injustiça tributária brasileira. Por aqui, historicamente, mais de 40% da arrecadação vêm do que é cobrado do consumidor, o percentual é cerca do triplo do verificado em países desenvolvidos.

Jogar peso na tributação do consumo perpetua a desigualdade, ricos e pobres pagam o mesmo imposto na hora em que compram um refrigerante no ou um computador. Isso leva a impasses: a diminuição ou aumento da tarifa sobre combustíveis iguala o motorista de aplicativos ao milionário colecionador de carros importados.

A situação é tão estapafúrdia, que a reforma tributária recém-aprovada teve que incluir um sofisticado mecanismo de cashback para devolver os impostos que os muito pobres gastarão ao comprar alimentos. Um mecanismo importante, mas complexo, que poderia ser evitado caso o país optasse pelo mais simples — cobrar mais de quem ganha mais.

A injustiça da estrutura tributária brasileira é tão grande que gera uma série de outros puxadinhos para aliviar, principalmente, a classe média, caso da possibilidade de abatimento de despesas com saúde, inclusive com planos hospitalares privados. Isso, no país que tem o SUS.

Isso faz com que o faxineiro do hospital particular ajude, com seus impostos, a subsidiar o atendimento médico dos mais ricos, que podem ser atendidos por lá. Os mais pobres não têm como pagar consultas e, depois, esperar um ano para abater esse gasto no imposto de renda; muitas vezes, nem tiveram recolhimento de imposto na fonte, o que inviabiliza uma restituição.

As isenções e carinhos tributários são também marcantes na área empresarial, e tome de vantagens para profissionais cadastrados no Simples, Zona Franca de Manaus, agronegócio, hospitais e instituições de ensino privadas cadastradas como beneficentes. E, com imposto, não tem jeito: alguém paga o que o outro deixa de recolher.

O projeto do governo aprovado pela Câmara gera benefícios imediatos e, principalmente, coloca todo um sistema injusto em discussão. Possibilitou também verificar o desespero dos que, até o último momento, tentaram livrar a cara e o bolso dos mais ricos. A política, quando olhada com um mínimo de atenção, é bem didática.