Centro da operação que evidenciou as conexões do PCC com parte do mundo empresarial, a Faria Lima, em São Paulo, é uma daquelas ruas — no caso, uma avenida — que subvertem a ideia de local de encontro. Ficou conhecida não pelo que mostra, mas pelo que abriga, esconde, oculta, camufla, dissimula.
Os tais "faria limers" — adjetivação que define e ironiza sujeitos ricos, ambiciosos e voltados para o próprio umbigo — não são assim conhecidos por frequentarem a rua propriamente dita.
Trabalham lá porque precisam ficar em algum lugar, necessitam de um endereço, de uma referência física, mas é como se não estivessem; alguns deles sequer devem passar pela rua, chegam e saem de helicópteros. Ruas e seus frequentadores tendem a formar uma espécie de conjunto, uma interdependência, uma certa unidade que se concretiza no espaço público.
Quem, no Rio, vai à Ouvidor, à Lapa, ao Ponto Chic ou ao Largo de São Francisco da Prainha vai pra rua e para o que a cerca, conceito bem mais amplo do que a ideia de um logradouro público. O mesmo se aplica às nossas praias-ruas, conjunto que inclui asfalto, calçadão, areia e mar.
Nada impede que, desses espaços públicos, caminhemos para um bar, um restaurante, para a casa de amigos. Mas estes locais fechados são subordinados à lógica da rua, são moldados pelo que os cerca.
Em São Paulo, ir até Vila Madalena, ao Bixiga, à 25 de Março ou à Paulista é algo mais amplo do que ir a um determinado estabelecimento localizado nesses locais. Nem sei se a Oscar Freire continua a ser um endereço associado a lojas de grifes. Mas é — era, pelo menos — um endereço de estabelecimentos voltados para o espaço comum, para a rua.
Por mais caras que fossem ou sejam tais butiques, elas mantêm/mantinham conexão direta com o universo público, qualquer um pode passar pelas calçadas, ver suas vitrines, tomar um susto com os preços.
Já a Faria Lima cultiva a ideia não de rua, mas de um conjunto de locais fechados, que não dialogam com o espaço que os cerca, estão para a rua assim como seus executivos estão para a sociedade de um modo geral: servem-se dela, mas não se misturam.
Esses bunkers passaram a ser identificados com a palavra mercado, que, não faz tanto tempo, era associada a espaços de convivência, de interação, de conversas, de compras. O mercado dos faria limers é abstrato, sem rosto, sem alma, povoado de seres reconhecíveis por calças de sarja, camisas sociais, coletes, sapatênis e relógios cheios de telas, que também servem para marcar horas.
Isolados em suas torres, esses seres são insensíveis aos gritos das ruas, território povoado por pessoas que lhes são estranhas. Quando questionados sobre temas sociais, fazem beicinho, olham pra cima e repetem um mantra parecido com o da Rainha de Copas, algo como "Cortem-lhes os orçamentos, os auxílios, as bolsas, os reajustes, os salários".
Há alguns dias, a rua, incorporada na polícia, invadiu seus escritórios em forma de mandados de busca e apreensão, sequestrou-lhes reputações, verbas e liberdade, espalhou lama e suspeitas naqueles figurinos tão caros e alinhados.
Seria injusto generalizar, a operação foi concentrada em algumas poucas intituições, mas já deu para notar que havia uma ligação direta de limers com o submundo de um crime muito organizado.
Uma conexão que, agora desvendada, mostra porque os caras tanto evitavam a claridade das ruas, preferiam a iluminação difusa e controlada de suas salas, fugiam das bruscas variações de temperatura, típicas da capital paulista.
Numa brincadeira com neologismos inspirados no inglês, limers ("laimers"), viraram crimers ("craimers"). Parece até título de seriado.
Por: Fernando Molica
'Limers' e 'crimers' numa avenida paulista